O método indiciário de Carlo Ginsburg é aplicável à sociedade da imagem. Hoje tudo é imagem, e as pessoas utilizam-se dela para esconder a sua real identidade. Como eu escrevi em post anterior, as raposas têm covis e os pássaros ninhos, e o homem moderno tem a imagem para descansar a sua cabeça. Mas pela análise da imagem dá para chegar à identidade e às relações, por mais que a imagem queira esconder a realidade e a identidade.
Aliás, o método indiciário surgiu disso: era nos pequenos detalhes que o expert descobria se uma obra de arte era uma falsificação. O método derivou das artes plásticas para outros campos; e hoje, nos países sérios, é utilizado nas investigações judiciárias e policiais. É um método muito útil na análise de um testemunho ou depoimento. Na investigação de um discurso ou de um escrito ele utiliza a semiótica. A escolha de uma palavra – e não outra – revela muita coisa. O significado etimológico da palavra escolhida diz muita coisa.
No projeto individual de construção da imagem o indivíduo não consegue segurar todos os detalhes. Às vezes, no afã de transparecer algo que não se é, a imagem sai como uma caricatura do que se gostaria de ser. E esta caricatura do que se gostaria de ser, desatenta à realidade e aos detalhes, revela uma personalidade alienada. A ação e a energia concentrada na construção da imagem seriam muito melhor empregadas na construção da identidade, ou na administração dela; todavia não o são. Isto revela, então, uma pessoa com personalidade superegóica, preocupada com os outros, e recalcada em relação ao próprio eu.
Em tempos de Orkut, o método indiciário é de muita valia para separar identidade e imagem. Um bom indício é a revelação do conteúdo e não da forma. Pode-se perceber quais pessoas sofrem ali. E a partir de alguns critérios.
Deve-se partir do pressuposto de que o Orkut é um site de relacionamentos: adiciona-se pessoas que se conhecem e com quem se relacionou ou se relacionará; participa-se de comunidades de interesse – para discutir os temas dessas comunidades. Observe-se contudo a quantidade de amigos que algumas pessoas têm; digo amigos, e não conhecidos. E também a quantidade de comunidades de que algumas pessoas participam – seria impossível nas 24 horas diárias participar efetivamente de todas elas.
Sobressai, para mim, o interesse em demonstrar ter muitos amigos e de buscar agregar à própria pessoa a idéia contida na comunidade. Vê-se, então, que o caráter de discussão e fórum das comunidades adquiriu um sentido fashion comprável, um sentido de imagem, e não propriamente de identidade. A pessoa está dizendo que ela quer ser ou ter ou ser identificada com a temática daquela comunidade. Mas ela não entra, não participa, não se relaciona dentro daquela comunidade. Quer dizer, há um enorme esforço para vincular-se a “coisas legais”, no pressuposto de que a vinculação da imagem basta; mas não há a construção de relações reais de identidade com estas “coisas legais”. É um frenesi da imagem; não é formação de identidade pois esta inclui relações e se torna mais forte quanto mais profundas as relações e o conhecimento.
Outro exemplo é a explicitude: tornar explícitas muitas coisas pode ser não tornar nada explícito. Pode ser, ao contrário, esconder. Amor esparramado e exagerado; ódio extremado; superênfase em determinadas posturas podem esconder algo. Ou não. Mas há algo que é bem interessante.
Pessoas que em seus perfis já leram a Biblioteca Nacional e já ouviram todo o acervo da Escola Nacional de Música são bem curiosas: uma lista extensa de livros e músicas – todos “muito bem” lidos e conhecidos – mas nenhum deles referidos de verdade. Nenhum deles falados em profundidade. E o interessante é que as comunidades destas pessoas muitas vezes estão ligadas ao fashion e não à reflexão comum em leitor tão voraz; e alguns participam de comunidades de pensadores e filósofos cujos livros nem estão mencionados em seu perfil “livros” – e o inverso também. É uma cultura livresca e não literária; tais pessoas dariam bons vendedores de livros mas não são literatos; são seres comprantes e não seres pensantes.
Parece haver nesta geração um critério de extensão e não de profundidade. A imagem de muitos amigos, de leitor profícuo, de ouvinte assíduo, de religioso constante e de parceiro muito amado é construída com uma dedicação impressionante – escapando à espontaneidade. Mas a fraqueza na construção das relações, da identidade, permanece: famílias com brigas constantes, namoros às turras, compra e venda de drogas, paternidade irresponsável, prostituição, traição e muitas outras coisas.
O excesso de energia empregado na construção de uma imagem indica uma identidade oposta a ela. Este me parece ser o indício principal a ser utilizado para verificar as pessoas do Orkut – um ninho onde muitos estão repousando a sua cabeça.

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