O Supremo Tribunal Federal prossegue hoje o julgamento da legalidade da “antecipação do parto” de feto portador de anencefalia; ou de aborto de feto anencéfalo, conforme com a perspectiva construída.
O Ministro Marco Aurélio Mello diz em seu voto que ” “aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível”. Para o Ministro, sendo a anencefalia uma doença que se caracteriza pela ausência parcial ou total do cérebro, congênita e letal, sem cura, “o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura”.
O voto divergente, contrário à antecipação do parto – ou à descriminalização do aborto – foi o do Ministro Lewandovski, para quem “qualquer decisão envolvendo tema de tamanha relevância e complexidade deve ser precedida de um amplo debate público e submetida ao crivo do Congresso Nacional”; para o Ministro “o STF, à semelhança das demais cortes constitucionais, só pode exercer o papel de legislador negativo, cabendo a função de extirpar do ordenamento jurídico as normas incompatíveis com a Constituição”, e que “não é dado aos integrantes do Judiciário, que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento normativo como se fossem parlamentares eleitos”. Além dessa perspectiva formal-constitucional o Ministro divergente expôs outra, de mérito, expondo que “uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, “ao arrepio da legislação penal vigente”, além de discutível do ponto de vista ético, jurídico e científico”, abriria a possibilidade de interrupção da gestação de inúmeros outros casos.”
“Sem lei devidamente aprovada pelo parlamento, que regule o tema com minúcias, precedida de amplo debate público, provavelmente retrocederíamos aos tempos dos antigos romanos, em que se lançavam para a morte, do alto de uma rocha, as crianças consideradas fracas ou debilitadas”, concluiu o Ministro.
O tema mobiliza a sociedade. No Congresso Nacional o deputado evangélico Marcos Feliciano, junto com outros parlamentares, inclusive os católicos, protocolou requerimento de impeachment contra o Ministro Marco Aurélio Mello, relator da Ação, sob o fundamento de que este teria manifestado-se publicamente sobre o seu voto, antes do julgamento, o que seria vedado por lei.
O voto do Ministro Marco Aurélio pode ser lido em sua integralidade AQUI.
O voto do Ministro Ricardo Lewandowski pode ser lido em sua integralidade AQUI
Mais tarde publicaremos no blog cópia do requerimento apresentado pelo deputado Marcos Feliciano – se a conseguirmos.
O voto do Ministro Marco Aurélio apresenta uma visão utilitarista e dessacralizada da vida. Parte do princípio de que esta é o seu desenvolvimento, e não o seu princípio. O voto do Ministro Lewandowski parte de uma premissa de garantia institucional, de respeito à doutrina da Tripartição dos Poderes de Montesquieu. Não se posiciona por uma ou outra Cosmovisão – ao contrário do Ministro Marco Aurélio que posiciona-se claramente de modo utilitarista – mas remete para uma arena adequada à República, o Congresso, as discussões e transigências das diversas cosmovisões presentes na sociedade brasileira.
Ressalta, até o momento, na discussão, o jogo de conceitos: aborto não é aborto, mas antecipação do parto, para alguns Ministros e observadores. Esse fenônemo, para além da discussão jurídico-filsófica, mas também dentro dela, incluí-se numa sociologia do conflito, sobre o poder de definição, atingindo tal extremidade aqui que pode significar um precedente não só de definição de conduta como crime, mas mesmo de definição da própria realidade, independente de um questionamento mais profundo se a definição corresponde ou não à realidade e à experiência humana que pretende definir. Inclui-se, aí, tal definição, dentro de um enfoque político-econômico, não só jurídico, mas como uma técnica de dominação e exercício de poder por determinadas classes – inclusive num momento de privatização dos serviços de saúde, inserção da mulher no mercado de trabalho, e ampliação do mercado consumidor como afirmação de poder geopolítico.
Texto de Blog Castro Magalhães.
Fonte: Site do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br)

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