BLOG CASTRO MAGALHÃES

Editor: Carlos HB de Castro Magalhães (MTb 0044864/RJ)

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Não se sabe realmente em que consiste a visão de mundo das pessoas, mas com certeza hoje elas esqueceram que são feitas da mesma matéria que enxergam.

Alcyr caminhava pela rua de volta para a sua casa. Comprou comida para o seu passarinho, na loja, e se impressionou quando o vendedor lhe disse que conhecia o seu passáro, e que ele era famoso na região.

“É o canto dele”, disse, e Alcyr logo associou a informação ao passeio que fazia aos sábados pela manhã, levando consigo a gaiola e deixando-a pegar aquele solzinho matinal, na praça, ocasião em que o canário cantava seu canto bonito.

Mas era um fim de tarde triste, aquele. Dirigia-se para sua casa, agora vazia, deserta da mulher com quem vivera. E deserta também do seu cachorro; já que precisava ficar o dia inteiro fora… Precisou aguentar a indagação da ex-mulher, de por qual motivo entregara o cão a uma instituição que o cuidava. “Ora”, respondeu, “passo o dia inteiro fora, e ele precisa de mais do que isso, ele tem que sair, essas coisas”.

Na verdade esses diálogos com a ex-convivente eram feitos sem aziago. Não havia nenhum ressentimento ou sentimento de quem foi ferido ou feriu ou quer ferir, mas uma espécie de melancolia ao fundo, como uma trilha sonora da relação. Tinha dúvidas se essa era um tema específico dos dois ou se uma trilha de fundo dessas de loja de departamentos.

Em algum momento Maria disse: “Eu não sou mais um de seus animais que você cuida numa gaiola”. Realmente foi essa a frase de ruptura e onde ele percebeu que não dava pra viver com ela. Ora, horrível foi perceber a própria mente degenerada, lembrando de um velho cartaz da “Gaiola do Funk” após Maria dizer o que disse.

A ausência de Maria era dolorosa. Mas quando Alcyr cuidava do seu canarinho, como de seu cão, o sentimento era o mais puro, o mundo não existia (era uma higiene mental) e o afeto que sentia era genuíno.

Já Maria não sabia bem o que era, quanto mais o que queria. Sem dúvida, deu-lhe forma o carinho e o afeto de Alcyr, o seu cuidado e sustento, ainda que modesto. Desde que morrera seu pai, sentira-se amorfa: esparramava-se conforme as circunstâncias, adaptando-se aos ambientes como um camaleão: o sorriso sempre simpático e saudações efusivas às amigas, como se de infância fossem. Mas quando conheceu Alcyr, passou a saber até onde ia, e de onde começava a vida. É impressionante o que o amor nos faz: uma espécie de espelho, em que nos vemos nos limites do outro. Voltou a estudar, a ir ao médico, a procurar a família com quem estava mal resolvida e de quem havia se afastado. Passou a cuidar da mãe doente.

Mas algo a perturbava ainda. Era como um chamado geral para rejeitar o cuidado, o carinho, o conhecimento de quem era (saber quem é implica em conhecer seus próprio limites) e por causa dessa voz geral não conseguia apagar lá no fundo aquela ideia de que não havia carinho, mas dominação; não havia cuidado, mas possessividade. Ver-se no outro – sim, quando o outro cuida da gente com cuidado genuíno vemos as nossa fraquezas e limitações. O que é o cuidado a não ser apoiar as pessoas em suas fraquezas e limitações? O cuidado que nos dão é uma denúncia implícita de nossos limities– mas uma geração que nega a existência de limites os vê como opressão… Rejeita-se o carinho, o cuidado, o amor…

Alcy colocou o prato de comida no micro-ondas . Enquanto a comida esquentava, ficou a contemplar a gaiola que acabara de limpar, com o canarinho agora a comer uns grãos. “Tudo vem da mesma terra”, pensou. Até mesmo esse passarinho. “Todos viemos da mesma lama, inclusive eu mesmo”. Mas a ausência de Maria era como se fosse um pedaço tirado de seu próprio corpo.


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