Marshall B. Rosenberg é um psicólogo norte americano que desenvolveu o método comunicativo chamado “comunicação não violenta”. O método se baseia na ideia de empatia, que é a capacidade psicológica para sentir o que sente uma pessoa caso se estivesse no lugar dela. Rosenberg foi mentoreado por Carl Rogers, psicólogo norte americano que desenvolveu uma abordagem centrada na pessoa do cliente e que recebeu as ideias de Abraham Maslow, com sua pirâmide de hierarquia das necessidades humanas.
As técnicas de comunicação não violenta desenvolvidas por Marshall foram construidas tendo como pano de fundo o fim da segregação racial na América dos anos de 1960; e com o tempo passaram a ser utilizadas em várias partes do mundo, tanto em consultórios como em escolas, tribunais, empresas e até em negociação de paz entre países. No Brasil a comunicação não violenta é recomendada pelos órgãos do Poder Judiciário em seus programas de resolução alternativa de disputas, especialmente em mediação.
O livro texto base desse método, chamado “Comunicação não-violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais” é editado no Brasil pela Editora Ágora e é um sucesso de vendas; há, também, no “YouTube”, um curso ministrado pelo próprio Marshall, dublado para o português, consistente de 9 aulas. Esse material, mais as discussões em aula de curso de que participei, são o material para as presentes notas, despretensiosas, mas consistentes apenas de impressões iniciais.
Rosenberg resgata uma regra de ouro da tradição judaica: colocar-se no lugar do outro. Essa regra, recepcionada pelo Novo Testamento (Mateus 7.12), pelo pŕóprio Cristo, no seu Sermão da Montanha, expressa-se ali do seguinte modo: “Portanto, tudo quanto quereis que as pessoas vos façam, assim fazei-o vós também a elas, pois esta é a Lei e os Profetas. [Os dois únicos caminhos]“(BKJ). O verso traz subentendido o que modernamente se chama de empatia, pois para cumpri-lo há necessariamente de seguir-se a etapa mental de colocar-se no lugar do outro.
Mas não só isso. Em seu livro acima referenciado, Rosenberg inicia seu ensino com o seguinte texto:
“Acredito que é de nossa natureza gostar de dar e receber de forma compassiva. Assim, durante a maior parte da vida, tenho me preocupado com duas questões: o que acontece que nos desliga de nossa natureza compassiva, levando-nos a nos comportarmos de maneira violenta e baseada na exploração das pessoas? E, inversamente, o que permite que algumas pessoas permaneçam ligadas à sua natureza compassiva mesmo nas circunstâncias mais penosas?“
A ideia de compaixão é central no pensamento dele; assim como o é no próprio Sermão da Montanha. Na verdade, ao lermos as Bem Aventuranças, a percepção do quiasma nesse texto bíblico nos faz inferir a bem aventurança dos misericordiosos (os que têm entranhável afeto) como central nelas. (Em sete bem aventuranças, a misericórdia é a quarta – a bem aventurança central). Estes são pontos centrais em comum com o pensamento evangélico.
Essa compaixão, entretanto, diferentemente da do Evangelho, é restrita a uma perspectiva naturalizada; poderiamos dizer tratar-se até de uma versão naturalizada da bem-aventurança. Embora guarde elementos em comum com ela, não corresponde ao seu sentido evangélico-redentivo. Sem dúvida, em uma de suas primeiras aulas – no vídeo do Youtube citado – Marshall faz referência à teologia de Walter Wink para explicar o momento em que a humanidade perde a capacidade de enternecer-se e passa a agir em um jogo de dominação (na Bíblia isso se chama Queda); e, como sabido, Wink nega a perspectiva evangélica da Expiação, justamente por negar a Queda no sentido bíblico (explicando-a antropologicamente e fora da perspectiva do Gênesis). Wink foi ativista da resistência não violenta e considerava a Expiação, explicando toscamente, um mito que reforçava a ideia de redenção pela violência.
Nas aulas finais de seu curso no Youtube, Marshall canta uma música em que ressignifica a experiência mosaica ante a Sarça Ardente, dando a ela um sentido pessoal, subjetivo e psicológico; e narra uma experiência de hospitalidade de sua avó com um mendigo chamado Jesus, dando a essa experiência sentido pleno daquilo que diz o texto bíblico de Mateus 25.35: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;”.
O que com certeza choca e chocará muitos evangélicos no trato com as técnicas de comunicação não violenta é possibilidade de exercer compaixão sem crer na obra expiatória de Jesus; e de praticar isso como uma disciplina de vida. A abandonada beleza da vida cristã foi apropriada por humanistas e transformada em um técnica devocional de vida sem transcendência. Isso causará perplexidade em muitos evangélicos brasileiros.
Outro desafio é a característica da técnica de observação sem avaliação. Para ter empatia é necessário observar sem avaliar:
“O primeiro componente da cnv acarreta necessariamente separar observação de avaliação. Precisamos observar claramente, sem acrescentar nenhuma avaliação, o que vemos, ouvimos, ou tocamos que afeta nossa sensação de bem estar“
Para alguns evangélicos isso poderá constituir um desafio. Mas digo que é mais uma oportunidade de correção de prática de vida – a correção do modo presunçoso e precipitado de muitos evangélicos brasileiros lidar com os outros. Minha experiência em igrejas me faz concluir que é muito comum o evangélico concluir rápido e rotular ligeiro sobre os outros; respostas rápidas, com pouca reflexão, são presentes também, infelizmente. E isso mesmo com a proibição de juízo temerário sobre os outros que Jesus fez no Sermão da Montanha (Mateus 7).
O quaker Richard Foster, em seu Celebração da Disciplina, obra clássica devocional cristã que reune as principais práticas devocionais dos crentes, nos fala da Disciplina da Leitura do outro (logo em seguida à disciplina da leitura dos textos sacros). Essa é uma prática esquecida pelos cristãos brasileiros, e parece que é aplicada no sentido de ler o outro para encontrar os seus defeitos e fraquezas com o objetivo de sentir-se melhor…
Porém, há o risco de a observação sem avaliação deixar de ser uma técnica e método de abordagem e transformar-se num meio de organização de vida – o que resultaria em amoralidade. O método pode também ser erroneamente invocado para uma vida sem compromisso com a moralidade. Esse é um ponto a que o cristão deve estar atento: observar sem avaliar para ter empatia (como Jesus amou o jovem rico quando o olhou) mas concluir quanto aos valores, como Jesus concluiu que o jovem rico era avarento. [É claro que para uma mesa de mediação não se há de levar avaliação alguma – mas isso não impede do seu exercício em foro de consciência].
Uma piedade cristã esquecida pelos cristãos parece estar sendo encampada por humanistas, assim como a prática da compaixão. E isso não está fora das doutrinas bíblicas; enquadra-se na Graça Comum.
Sem dúvida é motivo de vergonha para nós como igreja ver que Deus levantou humanistas para que a sociedade não degringole. Penso que nós evangélicos temos boa teologia, mas não fazemos dela prática de vida que de algum modo salgue o mundo e aponte para a obra da Redenção. Sabemos bem o que Calvino nos ensina sobre a Graça Comum: as virtudes estão em sua totalidade em Jesus; mas não são monopólio de nenhuma religião. Deus espalha as virtudes entre os vários povos – cristãos ou não – para que o mundo não vire um caos. Ver várias instituições e o Poder Judiciário estimulando compaixão, empatia e desestimulando o juízo temerário nos alegra pois vemos nisso a boa mão de Deus afastando muito mal de nosso país; mas nos serve de alerta quanto à qualidade de nosso cristianismo.

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