É muito comum cristãos evangélicos se consolarem da morte de parentes não cristãos ou não evangélicos invocando a possibilidade de eles terem, num último momento, se arrependido de seus pecados e assim “se salvado” (cumpre apontar que destes alguns falam “fulano se salvou” e outros “fulano foi salvo); sempre numa postura especulativa acerca do destino da alma do pessoa amada falecida.
Nessa empreitada especulativa os crentes invocam a passagem do ladrão da cruz que nos últimos momentos de sua vida manifestou seu arrependimento e ouviu do Nosso Senhor a sentença “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Um conhecimento superficial da passagem faz considerar que o simples pronunciamento dirigido ao Salvador vai remir a alma, desconsiderando o arrependimento anterior (“recebemos os castigos que nossos atos merecem”), tão forte que – mesmo ante a morte – reconhece que merece a eternidade fora do Reino de Deus (no Inferno), com um dado de resignação à merecida punição eterna, resignação que o faz depender da misericórdia de Deus não para livrar-se do Inferno, mas para viver sob o reinado de Cristo (“lembra-Te de mim quando entrares no Teu reino”). O verdadeiro arrependimento não tem por objetivo escapar do Inferno, mas viver sob o Senhorio de Cristo. Isso é difícil na hora da morte. O único lugar em que a Bíblia registra isso foi no Gólgota.
No seu A Doutrina do Arrependimento Thomas Watson levanta algumas questões bem interessantes sobre a demora e procrastinação em arrepender-se. Por exemplo, quanto mais cedo nos arrependemos, mais glória daremos a Deus com nossas vidas. O que nos faz concluir que a pessoa que demora para arrepender-se pouco liga para a glória de Deus; de onde se conclui que aquele que está próximo da morte mais pensará em escapar do Inferno do que em glorificar a Deus, o que diminui a genuinidade de seu arrependimento – e que este tenha sido realmente uma obra do Espírito Santo.
Outro ponto que Thomas Watson levanta é que a pessoa que demora a arrepender-se passa muito mais tempo sob o domínio de Satanás (Atos 26.18) e isso a embota e embrutece espiritualmente. Ora, nessa demora o pecado se fortalece, o coração se endurece, a ocupação do mal se aperfeiçoa, a mente se cauteriza mais. Veja só Jeremias 13.23. Deus perdoa o que se arrepende, mas não prometeu dar o amanhã para o arrependimento, dizia Tomás de Aquino. Isso significa, mais do que a possibilidade de morrer hoje, que a genuinidade do arrependimento pode não estar disponível amanhã.
Ele fala também daqueles que creêm em arrependimento no leito de morte, isto é, que na velhice ou se ficarem doentes aí sim se arrependerão e tratarão de se converter. Watson rechaça essa ideia com argumentos bíblicos e naturais. A pessoa doente tem o corpo tão debilitado que não pode cuidar da alma. Um doente muitas vezes não consegue fazer a sua vontade, estando sujeito à ação de outros; como poderia fazer a sua própria paz? Como poderia orar por si próprio, se aos próprios cristãos é recomendado que se chamem os presbíteros para essa oração por si, se doentes estiverem? (Tiago 5.14). Não é incomum os doentes serem tomados de impaciência e revolta durante o seu estado; como poderiam encontrar arrependimento genuíno assim? A tendência do impenitente é blasfemar e murmurar durante a doença – como pode ouvir a chamada ao arrependimento feita pelo próprio Deus que o enfermou? (Apocalipse 16.9).
Como então devemos reagir à morte de parentes e pessoas amadas? Em primeiro lugar, reconhecendo que Deus foi glorificado na morte delas. Se tememos que ela foi para o Inferno, devemos reconhecer que aí Deus foi glorificado pela Sua Justiça ao mandá-la para lá; se temos conforto por crer que ela foi para o Céu, devemos glorificar a Deus por ser misericordioso e tê-la levado para lá, apesar dela não merecer.
Isso não significa que não devamos sentir que nosso amor por elas ultrapasse a morte – Paulo faz isso ao falar dos judeus impenitentes; ele diz que se pudesse iria para o Inferno para que os mesmos fossem salvos (Romanos 9.3 – esse é um bom texto para ler no enterro de não crentes que são parentes de crentes). Mas Paulo reconhece que a sua vicariedade é precária e insuficiente. E nós deveriamos fazer o mesmo, descansando na soberania de Deus ao cuidar das almas que Ele mesmo criou; esse descanso nos faria abandonar a dolorosa especulação sobre o destino das almas das pessoas que amamos.

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