Jeffrey Volkmer escreveu um artigo em que trata da mentalidade peregrina e indígena (no sentido de interior a uma cultura) do cristão. O texto pode ser lido clicando aqui. Ele é pertinente para nos posicionarmos nessa dolorosa crise que vivemos: somos peregrinos por aqui mas devemos fazer todo bem possível enquanto por aqui passamos.
Entretanto fazer o bem em meio ao atual estado de coisas político e cultural é de um sofrimento e risco espiritual imenso. Temos a impressão de que é quase como assentar-se na roda dos escarnecedores. Quem não se solidariza com Augusto Nunes ao reagir como reagiu às provocações do Gleen Greenwald, que tanta distorção perversa promoveu com seu material roubado contra funcionários públicos que bem fizeram seu trabalho? No final, porém, acabamos nos assentando nessa barulhenta roda, pois nossa empatia com Augusto Nunes acaba se convertendo em uma obra infrutífera, com compartilhamento de memes e acréscimos de deboche contra o gringo que veio afrontar nosso país. Minha pergunta é: até que ponto nossa luta político-cultural nos afasta do dever de andar com humildade e sobriedade nesse mundo em que somos peregrinos? É, também, inversa: o engajamento na luta político cultural autoriza até onde nos afastarmos do modo cristão bíblico de ser?
Essa é uma tensão da vida cristã. A guerra político cultural é barulhenta; as redes sociais são barulhentas e convidam à fanfarronice. A cultura pela qual passamos é toda misturada com o pecado e vamos lutar por ela e ao mesmo tempo ser a a antítese dela (2 Coríntios 6.17). Muitos incrédulos são co-beligerantes conosco nessa guerra cultural, e o comportamento e sentimento deles são evidências de que muitas vezes nos colocamos em jugo desigual com eles (2 Coríntios 6.14). A gente vê, na prática devocional, a dificuldade que é sossegar o coração para os momentos de comunhão com Deus após uma sessão de guerra cultural, pessoalmente ou nas redes sociais. É muito barulho, muito deboche, muito compartilhamento baseado em justo afeto natural mas expressado de uma forma que perturba a consciência; que nos entristece no exame minucioso do nosso dia (há uma sensação de desperdício em ficar ridicularizando – mesmo que justamente – inimigos culturais na rede); e ficar fazendo isso não faz parte das regras comuns de vida de um cristão.
Há evidentemente na guerra cultural um elemento de cuidado e escrúpulo próprio do dever do cristão. Um crente que busca bondade, honestidade e compaixão vai fixar-se numa luta político-cultural em atenção ao amor e lealdade a esses valores. Como exercer isso num ambiente em que as principais armas da guerra cultural são o barulho, o confronto e o ridículo? Vale a pena entrar numa roda de escarnecedores por essa guerra? Vale a pena ficar num ambiente barulhento e dispersivo de uma rede social que nos atrapalha o silêncio necessário para ouvir a voz de Deus? As importunações internas que sentimos nessas circunstâncias podem bem ser o pecado querendo entrar em nosso coração. Isso é administrado numa tensão; os casos de consciência daí advindos devem ser refletidos a medida que nos defrontamos com eles.
Não devemos nos esquecer que há uma tropa de pecados e demônios contra os quais combatemos e combateremos até a morte e ela muito bem pode utilizar o contexto da guerra cultural para nos afastar de Deus enquanto pensamos fazer o bem; ela pode nos fixar nesse mundo, fazendo-nos esquecer a nossa peregrinação; nos conformar ao presente século, enquanto abandonamos nossa mentalidade peregrina.
As redes sociais podem muito bem nos conduzir ao mundanismo, mesmo que nela estejamos com propósito de guerra cultural. Estabelecer regras devocionais pessoais para o seu uso pode ser um bom começo de santificação de nossa ação de guerra cultural. Utilizar a regra áurea; a sobriedade nos compartilhamentos; fugir de expressões chulas e pornográficas são boas providências – tudo isso pode dar trabalho e aparentemente diminuir nosso poder e alcance. Mas como peregrinos, podemos ajudar as pessoas desse mundo sem precisar nos parecer com elas.

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