Eu tive três pais: um pai humano; outro o diabo; e finalmente o próprio Deus, meu Pai Eterno.
Recordo-me bem do meu pai humano, de seu cuidado, carinho e afeto. Ele foi um bom pai, que deixou saudades e marcas profundas na minha personalidade. Quanto mais amadureço vejo muito dele em mim, e passo a compreender muito do que ele era e coisas nele que para mim eram incompreensíveis. Meu pai humano me faz falta até hoje e me deixou marcas abençoadas.
Eu tive também um outro pai; aliás, chamo-o de pai apenas pelo fato de a Bíblia dizer que ele foi meu pai. O nome desse pai é Diabo. Eu fui durante muito tempo filho do Diabo. Ele é um pai perverso. Mau. Debochado. Quando olho para o tempo de minha perfilhação a ele e para a paternagem dele em mim, entristeço-me profundamente. Começo com a sensação de engano e tempo perdido (tanto raciocínio e afeto a ele dedicado sem nenhum ganho real!), tal qual aquelas crianças que são exploradas como pedintes pelas mães e pais nas ruas do Rio de Janeiro; mas não só isso. Comparo o estado da minha alma como a daquelas crianças que são vendidas como mão de obra ou para prostituição infantil. Lembro-me do abolicionista Luiz Gama: mestiço vendido como escravo pelo próprio pai para pagar uma dívida de jogo.
Esse desgraçado (que ele queime para sempre num lago de fogo!) induzia-me às maiores perversidades prometendo que delas eu teria prazer, que elas me igualariam aos seus outros filhos (que ele pintava para mim como proeminentes) e até mesmo que eu poderia narrar, rindo, para outros filhos seus mais novos, as minhas aventuras, como preciosas fossem.
Quando olho para trás, porém, só me envergonho. Lembro-me de como ri da história de um outro filho dele, gabando-se do adultério que cometeu, da resposta tola que deu ao ser flagrado pelo marido da adúltera, da luta corporal que daí resultou e de como aquela roda toda, em que se dava a narrativa, às gargalhadas, parabenizava aquele fanfarrão pela experiência que passara! O Diabo o apontava como exemplo a ser apontado para mim. Deus tem Seus anciãos; o Diabo tem seus fanfarrões. Aquilo se tornou um tipo de padrão, e desde então busquei fazer minhas histórias estúpidas, carnais, tal qual um escritor barato escreve coisas vis. Mas naquele caso, vil era minha vida sendo escrita. Nesse percurso, mulheres feridas, amigos decepcionados, familiares entristecidos passaram a compor o enredo.
É duro ser um filho do Diabo. Mais duro ainda é descobrir-se que o é. Muitos religiosos o são; mas pensam que não são. As pessoas não têm consciência disso, até que o Pai os adote, os retire das mãos do Diabo e os regenere. Sim, pois as pessoas são incapazes de ver que são filhas do Diabo até o momento que o próprio Deus as faz ver isso. As pessoas vendam os olhos com as vendas da auto justiça, da auto moralidade, do hedonismo, e de uma série de coisas que as impedem de ver a profunda ligação afetiva que têm com o Diabo, uma ligação tão forte como a de um filho com seu próprio pai. Sêneca, o pai moral de Nero, matou-se ao final, quando viu o homem mau que seu discípulo se tornou. Seus virtuosos ensinos e conselhos – de uso milenar – fracassaram. Pois tanto Sêneca como Nero eram ambos filhos do Diabo.
Meu Pai mandou Jesus, meu irmão mais velho, vir me buscar, me retirar de sob o poder do meu antigo pai (o diabo) e me preparar para encontrá-lo. Nessa empreitada Jesus morreu por mim. Jesus é meu irmão mais velho, o Filho mais velho e eternamente gerado, do Pai que me adotou como filho. Eu O encontro sempre. Esse meu irmão está realmente presente sempre que a Bíblia é corretamente exposta. Quando Ele fala das coisas do Pai, o lugar em que Ele fala é realmente o Centro do Mundo. Isso me faz lembrar dos tempos do meu pai humano, em que estava com ele, de quando brincávamos ou conversávamos, e aí parecia que somente eu e ele eramos o mundo e isto bastava. Quando ouço a Palavra dEle, é Ele que está realmente ali do meu lado; Ele fala o que eu preciso ouvir – e isso vai do entendimento às afeições e realmente ali é o Centro do Mundo pois aquele momento é suficiente para mim.
O meu irmão mais velho, que me resgatou para o Pai, chama-se Jesus Cristo. Eu ainda não o vi em Seu aspecto corporal, mas sei que o verei. Quando eu chegar no céu, não correrei para ver meu pai humano, meus avós ou bons amigos que me deixaram saudades; não procurarei de saída encontrar algum dos heróis da fé que tanto me inspiraram. Eu correrei entre a multidão dos santos, abrirei caminho entre eles para ver Aquele que é um com o Pai e que o próprio Pai enviou para me resgatar – Jesus! Eu sei que não será difícil encontrá-lo: enquanto eu avançar pelas ruas do céu rumo a Ele, sei que meu coração arderá cada vez mais como ardia quando eu O ouvia quando Ele me falava em Sua palavra. Sei que quando meu coração não mais se contiver desse ardor, eu O verei, e, por fim, me ajoelharei ante Ele e o agradecerei por tudo que fez. Ele me abraçará, e riremos como riem os irmãos; Ele me abraçará, e aquele lugar será o Centro do Universo e do Tempo como nunca foi antes.
Verei as cicatrizes nas mãos do meu Irmão; Ele me contará como desfilou perante os anjos exibindo o Diabo acorrentado – arrastando-o pelo pó, nu e desprezível. Ele falará da surpresa dos anjos ao contemplar o Filho do Homem – Ele, o Homem Jesus – assentar-se no Trono de Deus, com o Pai, após os portais eternos se levantarem e Ele entrar em glória nos céus. Da adoração dos anjos ante isso, saberei por toda a eternidade e não será suficiente a eternidade toda para conter isso. Estarei com o Pai; estarei, também, com meu pai e com todos os filhos de Deus.
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P.S.: Este texto foi inspirado num tuíte do pastor congregacional Josemar Bessa (@JosemarBessa)

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