BLOG CASTRO MAGALHÃES

Editor: Carlos HB de Castro Magalhães (MTb 0044864/RJ)

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Editor: Carlos HB de Castro Magalhães, Registro Jornalista MTb 0044864/RJ

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Alexander Balmain Bruce foi um pastor da Igreja Livre da Escócia, uma denominação reformada evangélica fundada em 1843 por um grupo que se separou da igreja da Escócia, estatal.  Sua produção bibliográfica foi profícua, e um dos seus clássicos é “O Treinamento dos Doze“, onde ele procura responder a seguinte pergunta: o que se deve esperar de quem esteve com Jesus? Sendo Jesus o Mestre, é óbvio que Ele treinou os que o seguiram. O livro trata desse treinamento em vários itens: oração, evangelismo, doutrina da cruz, temperamento, sofrimento, dentre outros, inclusive liberdade religiosa.

A.B. Bruce trata da Liberdade Religiosa num capítulo imediante posterior ao Lições sobre Oração, intitulado “Lições sobre liberdade religiosa: a natureza da verdadeira santidade“. Ele indica e justifica a sua fonte de estudo no prefácio à segunda edição da obra: “até onde os evangelhos sinóticos – as principais fontes de informação sobre o ensino e a atividade pública de Cristo – mostram sinais de tendências polemizantes ou conciliatórias?”. Ele fala isso em relação à alta crítica que, àquele tempo tempo, dizia ser o cristianismo resultado de uma conciliação (uma síntese) entre os apóstolos originais (exclusividade judaica) e o apóstolo Paulo (universalismo paulino). Em oposição ao raciocínio dialético da alta crítica, Bruce manifesta a forma trinitariana de pensar, ligando o treinamento dos Doze por Cristo a uma prática religiosa integral, de princípios definitivos, resultante da obra da Trindade, e não da dialética histórica. Por isso, viver a liberdade religiosa é uma ação individual do crente, pois é obra trinitária nele; o cristão morre por essa liberdade; e o santificado por Deus é, muitas vezes, mártir dessa liberdade. Daí liberdade religiosa para o cristão, antes de ser um tema jurídico ou político, ser prática devocional. Numa perspectiva externa, liberdade religiosa é reconhecer a devoção (inclusive maneira de pensar e ver o mundo) trinitária do cristão.

Assim é que Bruce toma três textos do Evangelho que registram ocasiões em que a prática religiosa de Jesus e seus discípulos é questionada, para dos diálogos de Cristo neles registrados, extrair lições de liberdade religiosa: 1) A primeira, tratada em Mateus 9.14-17; Marcos 2.16-22; e Lucas 5.33-39, trata da crítica que os discípulos de João Batista, ali alinhados aos fariseus, fizeram  à negligência da prática do jejum pelos discípulos de Jesus; 2) a segunda, referida em Mateus 15.1-20; Marcos 7.1-23; e Lucas 11.37-41, trata da crítica dos fariseus aos discípulos de Cristo por estes não viverem de acordo com a tradição dos líderes religiosos judeus de lavagem cerimonial antes de tomarem as refeições; 3) e, finalmente, há a crítica sobre o  modo como Cristo e Seus discípulos guardavam o sábado (os registros dessa crítica estão em Mateus 12.1-14; Marcos 2.23-3.1-6; Lucas 6.1-11; 13.10-16; 14.1-6 e João 5.1-18 e 9.13-17).

A maneira como Jesus responde à primeira crítica mostra-nos uma lição perpétua sobre liberdade religiosa: sem desmerecer ou pejorar João Batista ou os fariseus e a doutrina de ambos a justificar seus jejuns, Jesus expõe o fundamento da prática religiosa de Seus discípulos, o que resulta num princípio que termina por prevalecer na consciência de nossa civilização. Usando uma frase parabólica do próprio João Batista (João 3.29) Jesus diz que, sendo o Noivo, não é normal que os amigos do Noivo jejuem (sinal de tristeza), enquanto o Noivo está com eles. Ao responder assim, Jesus está a dizer, nas palavras de Bruce,  que o jejum (ou a prática religiosa cristã) “não deve ser uma questão de regra mecânica física, mas deve ter relação com o estado de espírito“, isto é, de  momentos de crises da vida. Jesus não condena os discípulos de João Batista, mas sua resposta ressalta que eles não O tinham como o Desejado das Nações, o Messias, e por isso não podiam alegrar-se. Por outro lado, de maneira menor, reconhece a prática religiosa do jejum deles como “um protesto prático  contra uma época ímpia“, embora decorrente da falta de esperança que só aqueles que O têm como Cristo pode ter.  Vemos, aí que a resposta de Jesus sobre prática da liberdade religiosa assenta-se na economia trinitariana: o Pai envia o Noivo para a Sua Igreja; em comunhão com o Noivo, mediante a ação do Espírito, a Igreja alegra-se, encontra conforto, consolo e alívio; não há, aí, sentido algum em jejuar mecanicamente. Os membros da igreja cristã, livres da crise decorrente do poder do pecado, têm comunhão com o Noivo. Ele expõe aos discípulos de João Batista que é o Noivo, mas não se impõe como o Noivo. Convencê-los de que é o Messias faz parte da economia trinitariana – o Espírito é quem convence do pecado, da justiça e do juízo. Jesus ensina-nos a expor que Ele é o Messias, mas não a impor que Ele é o Messias. Por outro lado, como o temos como nosso Rei, vamos expor que Ele é o Messias, mesmo que os reinos desse mundo o proíbam.

Numa segunda fase de sua resposta o Senhor nos ensina um princípio que permeia toda a história, desde o Antigo Testamento:  não se põe remendo novo em roupa velha, nem vinho novo em odres velhos. Em todo serviço religioso voluntário – aquele “em que estamos livres para orientar nossa própria conduta” – “o ato externo deve corresponder à condição interna da mente e que nenhuma tentativa deve ser feita para forçar atos ou hábitos particulares em pessoas, sem referência a essa correspondência [com a condição interna]”.  Nessas metáforas, no texto,  os panos e odres velhos representam as velhas  modas ascéticas em religião; o pano novo e o vinho novo representam a nova vida alegre com Cristo. O princípio é que as estruturas e práticas humanas externas (não só da religião) não podem ser impostas como condicionantes da devoção cristã. Isso é muito pertinente hoje.

Um dos princípios da vida cristã, manifesto no Concílio da Calcedônia, é de que humanidade e divindade não se confundem.  A história registra que nesse Concílio decidiu-se que Jesus é totalmente humano e totalmente divino, sem que essas naturezas se confundam, e que essas naturezas não se confundem. Isso foi um golpe na teologia estatal (e que perpassa a história humana) de que um governante (ou o Estado) confunde-se com Deus. O Estado não é próprio para abrigar o vinho novo de Cristo. Do rei Uzias querendo agir como sacerdote, passando pelos césares se proclamando divindades,  pela concepção papista do vicario Dei, e pelo pensamento de Hegel sobre o Estado (que considera como expressão de Deus),  a humanidade sempre está colocando vinho novo em odres velhos, remendando roupa velha com pano novo. O vinho novo fermenta e estoura os odres velhos, que não lhe pode conter; o pano novo se contrai e rasga a roupa velha. No fim, perdem-se o vinho novo e os odres velhos, o pano novo e a roupa velha. Nada se aproveita dessa prática.

Um exemplo histórico recente está registrado na controvérsia Barth-Brunner ocorrida no ano de 1934 na Alemanha (ano da ascensão de Hitler ao poder). Alister McGrath, em sua Teologia Natural, diz (aqui faço tosca síntese) que – na discussão sobre a imago Dei no homem (a ideia de que todo homem tem em si a imagem de Deus) – Emil Brunner concluí sobre a possibilidade de o homem alcançar a justificação em decorrência dela; ao que se opõe Karl Barth, que manifesta que fora da Revelação Especial de Deus não há como isso acontecer. McGrath informa que Barth estava consciente do momento histórico e das implicações da teologia de Brunner em um momento político de imposição da política identitária (racial) do nazismo. Isso explica muito da pouca resistência da igreja oficial luterana (ela tem seus heróis) ao nazismo e explicita a afronta ao princípio da adequação entre crença e exterioridade conforme ensinado por Cristo. Não à toa, proliferaram nos templos daquele país as imagens de Cristo e dos apóstolos com feições arianas usando suásticas no braço. Mais do que uma expressão de fé conforme o contexto cultural, era uma afirmação identitária; uma resposta às demandas do povo alemão. Os luteranos estatais estavam colocando vinho novo em odre velho – o odre se rompeu, e o vinho se perdeu. Não se põe o vinho novo do Evangelho nos odres das demandas sociais.

Há algo contemporâneo que pode ser interpretado pelo esquema evangélico do vinho novo e odre velho: a demanda do politicamente correto pela afirmações identitárias, sejam de gênero, sejam de raça, sejam de classe social. Uma escola de samba colocou Jesus como pobre e negro; uma moça disse que Jesus poderia ser mulher (uma antiga crença herética dos antigos, a do Adão andrógino, bem combatida por Moisés) e vez por outra vemos Jesus como revolucionário, Maria como doméstica, José como jogador de basquete do Harlem. Todas essas são demandas da sociedade para com a igreja que a tentam a colocar o seu vinho novo (a Nova Vida em Cristo) nesses odres rotos, nesses panos velhos que elas são. Nada disso é novo: é sempre o homem querendo confundir sua identidade com Cristo o Homem-Deus ou reduzir a divindade dEle à própria identidade militante da vez.

(continua)

 

 


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