O livro A Cabeça Bem-Feita, de Edgar Morin, é uma boa introdução à Teoria do Conhecimento. Precisei revisitá-lo devido à verdadeira barafunda em que se transformou a discussão sobre quarentena. Há, no livro, um roteiro crítico dos vícios fundamentais de pensamento no Ocidente. E esses vícios estão acentuados na discussão presente.
Um vício (uma tradição no pensar errado brasileiro) que vemos logo de saída é a redução do complexo ao simples. Quem não leu nas redes sociais a frase “qual familiar seu pode morrer para salvar a economia?“. Pois é: o problema da pandemia é dissociado do da sobrevivência econômica, ao invés de ser reunido e integrado à este – ou vice-versa. Logo, todo conhecimento econômico se torna impertinente ao trato da quarentena e, mais uma vez, vice-versa.
Isso revela também uma postura campeã por estas plagas: a recusa em enfrentar a complexidade. Essa postura é mais comum entre os ideólogos: só se percebe o que é quantificável, com total desprezo ao senso comum e às necessidades humanas não materiais. Hayek dizia: “ninguém pode ser um grande economista se for somente um economista”. Isso explica a total insensibilidade dos defensores da quarentena total para com os que vivem do trabalho do dia a dia, para com os informais e autônomos.
O vício da hiper especialização também está presente contribuindo para a desorganização do conhecimento. Seja para proteção da economia, seja para a proteção contra o vírus, a unção de um e outro especialista desorganiza o conhecimento reunido sobre a pandemia. O vírus foi coisificado, esquecendo-se que se integra de um modo geral à biosfera e à comunidade dos humanos; isolado no conhecimento do hiper especialista, termina por sugerir o isolamento dos homens. De igual modo, coisificado o conhecimento da atividade econômica dos informais e autônomos, esquecer-se-ia que há um vírus lá fora. Porém, o senso comum demonstra que há conhecimento de que há um vírus, mas a necessidade de comer é maior.
Esses vícios de pensamento se relacionam com outro que vemos principalmente nos mais protegidos: a ausência ou diminuta alteridade na formulação prática das questões. Na verdade, reducionismo, recusa de enfrentamento à complexidade, e hiper especialização se alimentam e retroalimentam entre si, formando um circuito que também se liga à pouca alteridade. Se o homem não carece de considerar Deus na formulação de seus problemas e questões, tampouco precisará, em regra, considerar o outro. Ou, de outro modo, o homem considerará o outro na formulação de seus problemas e questões consoante a teologia (consciente ou inconsciente) que tem. Se é uma teologia em que o Estado é expressão de Deus, o outro será apenas um cidadão, um número de cpf ou de título de eleitor; o que não é quantificável não será levado em conta. Do ser humano, respeitar-se-á apenas a sua referência exterior, desprezando-se os seus anseios, vocações, e liberdade de espírito. O indivíduo será apenas exo-referente – apenas mais um quarentenado dentro de casa para preservar uma estrutura de saúde saqueada há décadas.
Há farto material nas redes sociais e na imprensa para que façamos um relato e exposição dos vícios de pensamento do brasileiro, infelizmente.

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