“Um ao outro ajudou e ao seu próximo disse: esforça-te” (Isaías 41.6) e “Este é o dia que o Senhor nos fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Salmo 118.24) são versos utilizados pela maioria dos evangélicos para estimular o ânimo mútuo e uma boa disposição ou alegria para um dia ou celebração. Contudo, são usados erroneamente, pois o contexto em que estão escritos não indica isso. E mais: usá-los com esses propósitos é desprezar as verdades que eles revelam. No final, os dois versos se relacionam pois ambos expressam verdades da Redenção.
No texto de Isaías quem se ajuda mútuamente são fabricantes de ídolos e não piedosos filhos de Deus. Nos versos antecedentes as ilhas tremem ante o avanço do Rei Ciro sobre os países, rumo à Judá e Israel, e as nações distantes formam alianças entre si (para resistí-lo); diz o profeta que Deus o levanta como juízo entre os povos, especialmente para o seu povo. Porém, indiferentes às evidências do juízo de Deus, os hebreus apóstatas continuaram a fabricar ídolos, com boa técnica, excelência e companheirismo. Deus trazia o juízo, mas ao invés de voltarem-se à restauração do culto (que prefigurava o sacrifício de Cristo), os nossos irmãos desviados faziam idolatria.
Esse verso é muito utilizado como devocional de comunhão – e isso é errado. A comunhão bíblica tem base trinitariana – os crentes se relacionam inspirados no modelo da Trindade – que é justamente o que o verso nega. O Pai levanta um juízo para que o Seu povo (Israel – a igreja do Velho Testamento) se volte para o culto correto (que exprime a esperança na vinda do Cristo Redentor). Porém, os artífices continuam a fazer ídolos e nessa tarefa há amizade e excelência – mas não há o Espírito, pois o juízo do Pai – determinado para que o povo retornasse ao Filho – foi desprezado. Daí tiramos que nem sempre onde há excelência e amizade há realmente um modelo trinitariano – o modelo cristão – de comunhão.
A ignorância sobre o real sentido do verso campea entre o povo de Deus. Certa feita acompanhei meu pai quando ele foi pregar num igreja pentecostal num distrito rural de um município da Baixada Fluminense. Era uma celebração de aniversário do Círculo de Oração das irmãs daquela igreja. Nas faixas – na rua e no portão da igreja – estava estampado o verso; no bolo (muito gostoso, por sinal) ele também estava escrito. Meu pai sabiamente pregou sobre outro texto – mas comemos a açucarada heresia …
O outro verso – esses alguns gostam de postar nas redes sociais para mostrar que estão de bem com a vida – é o de Salmos 118, verso 24: “Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele”. O verso se refere ao dia em que a pedra rejeitada (Cristo) foi assentada (verso 22 e 23) como a pedra princípal do templo de Deus (a Igreja), conforme Mateus 21.42 e outros textos revelam. O dia em questão é o dia da Páscoa, do sacrifício de Cristo; o dia é aquele domingo pascoal em que Cristo ressurgiu dentre os mortos. Esse é o dia em que devemos nos alegrar – e não com a alegria que se devota a um dia comum, iluminado de sol, em que acordamos de bem com a vida. Equiparar esse àquele é desprezar o sacrifício e ressurreição de Cristo.
Irmãos, não reduzamos as doutrinas cristãs a slogans. Versos e frases de efeito – ainda que bíblicos – não podem substituir a compreensão e o estudo bíblico e sistemático da Palavra. As ações do cristão são fundadas em compreensão doutrinária e não em sentimentos despertados ou estimulados por frases de efeito, ainda que sejam um verso bíblico descontextualizado reduzido à condição de slogan.


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