
O incrível hábito brasileiro de adocicar pecados nos toca a alma e por isso é tão perigoso. Se por um lado o rabugentismo fariseu e legalista é danoso e pode afugentar a misericórdia e a compaixão, por outro lado a nossa prática cultural de açucarar a prática pecaminosa dos que amamos também pode resultar num perigo.
Amamos pecadores e precisamos saber como lidar com isso. Lembro-me do meu desterro voluntário da igreja – atraído pelo brilho do mundo – e de como, certa feita, a doutora Dulce, uma advogada já senhora e experiente membro da igreja onde eu congregava, me disse, num tom de tristeza mas também de que buscava manter-se amistoso: “pois é, seu pai me disse que você está que nem tico-tico no fubá”, referindo-se ao tipo de vida que eu levava no meu exílio da comunhão.
Tico-tico no fubá pode bem ser a versão brasileira de “a porca volta à lama e o cachorro ao vômito” (II Pedro 2.22) se o tico-tico não estiver contado entre aqueles que – parecendo mais bodes que ovelhas – são reconduzidos ao rebanho pela Providência que se desenvolve na graça da perseverança dos santos. Mas ato de misericórdia e compaixão é dizer para alguém o real estado de sua alma, se constatado e verificável pela Bíblia.
Zequinha de Abreu escreveu Tico Tico no Fubá inspirado nos sons de um monjolo (uma máquina hidráulica rústica) moendo milho; os sons foram conjugados com a visão de um Tico Tico a se esbaldar no fubá que estava perto da máquina. A música foi executada em uma cena de filme sob inspiração de uma história pessoal dele, em que o personagem a toca expressando encantamento por uma mulher que não era a sua própria noiva, causando tristeza e indignação na pequena cidade onde a estória se desenvolvia.
Há o chamado “canalha charmoso” em nossa cultura – também na versão feminina, ultimamente. Há uma cena específica num dos episódios da minissérie Mandrake, da HBO, em que o personagem de Miele assim se refere ao advogado vivido por Marcos Palmeira, seu sócio.
No Rio de Janeiro havia o Clube dos Cafajetes, cheio de histórias de irreverências, de homens de famílias de boa estirpe, vistos como divertidos, que com certeza deixaram mágoas e defraudações afetivas em seu caminho. Mas a memória coletiva sobre eles é bem carinhosa entre os cariocas.
Na verdade, quando o pecado é vivido por aqueles que amamos e admiramos há uma grande tentação de adocicá-lo. Confundem-se os modos de apontá-lo com o enquadramento do pecado como pecado. Busca-se relativizá-lo. Mas não esqueçamos que certos pecados devem ser tratados com a indignação de Finéias (Números 25.7), a começar em nós próprios.
Colocar mel no pecado é parte da nossa cultura que devemos escrutinar: com serenidade e compaixão reconhecer os pecados próprios e alheios sem dar-lhes cores poéticas; sem considerar as suas vivências como história de vida a compartilhar; sem considerá-las referência para as novas gerações. O pecado é todo insucesso. De sua experiência, resta apenas apontar que é um mau caminho. Da vida canalha nada se aproveita.

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