
No livro A Democracia na América Alexis de Tocqueville atribui o sucesso da democracia norte americana ao caráter religioso daquele povo. Possivelmente isso decorre do fato que o americano puritano pensava trinitariamente e não dialeticamente – isto é, o seu padrão relacional era aquele que ele aprendia sobre as relações das pessoas da Trindade entre si e delas com os homens e a criação. O norte americano original, dos tempos de Tocqueville, interagiria com a vida numa perspectiva trinitária.
O breve poema de Thomas Tillman, citado por Mark Jones em sua Teologia Puritana, denominado “Upon the first sight of New England“[Ao ver a Nova Inglaterra pela Primeira Vez], é escrito numa perspectiva relacional com a Divindade, integrando a experiência histórico pessoal daquelas famílias de colonos à construção da sociedade porvir: ‘Possuí este pais. Libertai-vos de todos os aborrecimentos/Aqui estarei convosco. Aqui desfrutareis em sua pureza meus sábado, sacramentos/Meu ministério e diretrizes‘.
A vida e as obras literárias de John Bunyan registram isso. Enquanto os Atos de Conformidade do rei dos Ingleses buscavam conformar os cultos e confissões de fé à doutrina da igreja oficial, os puritanos (assim chamados pois criam que a religião pura era a fundada na revelação escrita de Deus, a Bíblia), viviam e falavam contra a conformidade e interpretações conformes da vida à doutrina da igreja anglicana, enfrentando a perseguição e partindo para o exílio na Nova Inglaterra. Eles não pensavam conformemente, numa perspectiva de poder dialético; a crença e cosmovisão deles não era uma síntese da tese mandada a partir de cima confrontada com suas perspectivas individuais, mas uma adesão por fé do e ao Conselho da Trindade, que buscavam compreender e aplicar no relacionamento com a Divindade e com os outros, inclusive na sua ética pública.
Desconcertante é verificarmos o quanto estes gigantes tornaram operacianal a teologia deles, marcando todo o Ocidente. O americano dos primórdios daquele país, homem ou mulher, criança ou adulto, passa 4 horas por domingo (duas horas pela manhã e duas hora a noite) ouvindo sermões hermeneuticamente sofisticados, que extraiam princípios a partir de realidades dos tempos bíblicos e os transpunham para o seu momento e apelavam à consciência e não a uma adesão formal e cega. A centralidade da Obra Expiatória de Cristo – característica central dos puritanos – teve um impacto tremendo.
Assim é que os puritanos sabiam que a Expiação de Cristo na Cruz – plano trinitário – concedeu-lhes a liberdade de consciência e expressão cujo exercício lhes garantiu a correta desobediência às ordens e interpretações da vida do religião oficial. Como exemplo explícito da biblicidade disso temos a teologia da epístola aos Hebreus em que – após o autor bíblico expor a insuficiência da lei mosaica – convida os cristãos hebreus a irem perante Deus com ousadia (Hebreus 10.19). No original grego a palavra ousadia é parrhesia, o substantivo de pas e rhesis, isto é, o substantivo do ato da fala. Indica a fala sincera, rude, livre, aberta e clara do fiel perante Deus. Na epístola de Paulo a Filemon(verso 8) a palavra aparece quando o apóstolo Paulo afirma que poderia – fundado na obra Expiatória de Cristo que fez um escravo fugitivo e seu proprietário irmãos em Cristo – exercer sua ousadia (sua liberdade de expressão contra a lei dos romanos) para que o senhor de escravo recebesse sem punição o fugitivo agora converso, mas preferiu pedir em amor tal medida.
Não à toa a federação estadunidense é até hoje, mesmo apóstata, a terra da livre fala – remetendo os excessos aos tribunais – contrapondo-se, por exemplo, à Alemanha e à União Européia, em que a tendência de regulamentação se acentua.
É que conforme a maneira trinitariana de pensar, expressa num velho ditado puritano, “a consciência é a primeira instância do tribunal de Deus” e, tendo em vista que o puritano reconhece a espada do magistrado para punir o mal, termina por ser a primeira instância também da sociedade fundanda num standard relacional trinitário. Sem livre consciência, não há livre expressão. Sem livre expressão, os homens não respondem por sua consciência.

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