BLOG CASTRO MAGALHÃES

Editor: Carlos HB de Castro Magalhães (MTb 0044864/RJ)

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Na verdade, o que se entende por estamento burocrático hoje não é um conceito tão anacrônico em relação ao Novo Testamento. Poder-se-ia dizer patronato político, aquela unidade de comando composta dos súditos ligados ao rei, a velha corte, hoje chamada de funcionalismo público e empresas e pessoas – como artistas e até sacerdotes – clientelistas que vivem da mesa do rei, hoje o Estado. Este, moderno, no dizer de Raymundo Faoro, recebeu o direito romano dos tempos também apostólicos motivado por uma índole toda própria: “a disciplina dos servidores em referência ao Estado, a expansão de um quadro de súditos ligados ao rei, sob o comando de regras racionais, racionais só no sentido formal. A calculabilidade do novo estilo de pensamento jurídico, reduzida ao aspecto formal, não exclui, na cúpula, o comando irracional da tradição ou do capricho do príncipe, em procura da quebra aos vínculos da camadas nobres. Não ganhou a justiça foros de impessoalidade…”(os Donos do Poder, Editora Biblioteca Azul, 5a edição, página 29).

A obscura cidade de Filipos recebeu este nome em homenagem ao Rei Filipe II da Macedônia, que a conquistou no século IV antes de Cristo. No século II a.C. a cidade tornou-se parte da província romana da Macedônia. Em 42 a.C. a os exércitos de Antônio e Otávio derrotaram os de Brutus e Cássius na batalha de Filipos, encerrando a República Romana e inaugurando o Império. A partir daí, Filipos tornou-se uma colônia romana (Atos 16.12), com muitos veteranos do exército romano lá se estabelecendo. O orgulho cívico era acentuado lá, devido ao status colonial. Seus cidadãos tinham cidadania romana (Atos 16.21), um governo autonomo, e os mesmos direitos das cidades da Itália, inclusive com a isenção de alguns impostos. O latim era o idioma oficial, os costumes eram os romanos, bem como o modelo de governo. Era uma cidade com mentalidade imperial, em contraponto histórico à mentalidade republicana.

Aos cristãos dessa cidade o apóstolo Paulo escreveu uma carta – a epístola de Paulo aos Filipenses. Nesse texto o apóstolo fala em “guarda pretoriana” (1.13) e “casa de César” (4.22) como elementos de referência ao seu local de aprisionamento que indicam os palácios reais e a administração civil ou militar do império. São indicações empáticas, de identificação e de familiariedade com os destinatários de sua missiva. Em dois pontos o apóstolo Paulo contrapõe o orgulho pela cidadania romana imperial à cidadania celeste: no capítulo 1, verso 27 e no capítulo 3, verso 20. Nesse propósito Paulo faz uma das exposições mais longas (onze versículos, no capítulo 2, dos versos 1 até o 11) sobre a humanidade de Cristo, e Sua ‘quenoze’, isto é, Seu esvaziamento de si próprio por amor à Igreja.

No verso 27 do capítulo 1 quando Paulo instruí aqueles crentes a viverem por ‘modo digno’ do Evangelho ele usa a palavra grega ‘politeuomai’ que tem o mesmo significado de ‘ser cidadão’; isto é, ele estaria falando: sejam cidadãos pelo Evangelho, ou exerçam a cidadania de vocês pelo Evangelho. É extraordinário o uso de Paulo para esse ensino, vez que usualmente quando ele quer indicar uma prática de vida ele usa a palavra ‘andar’ e não exercer a cidadania. Aqui ele fala de andar, mas um andar exercer a cidadania não como um romano, mas como um do Evangelho, um evangélico (do Evangelho, não no sentido moderno de denominação cristã). Não por amor à cidade e ao Império, mas por amor ao Evangelho vocês devem viver, diz Paulo. É uma crítica ao pensamento Aristotélico que não via virtude em qualquer indivíduo que não quisesse servir ao Estado e à comunidade em que vivia. O que Paulo diz é que eles deveriam ser bons, alcançar virtude, pela graça do Evangelho e não pelo desempenho da cidadania. Que sendo bons evangélicos, seriam bons cidadãos.

Na outra ocasião (3.20) em que fala sobre cidadania Paulo é bem mais explícito: “mas a nossa Pátria está nos céus, donde também aguardamos um Salvador, o Senhor Jesus Cristo”. Ele repete a raiz da palavra usada em 1.27: pátria é ‘politeuma’, cidade, Estado, a função dos cidadãos, o ato de governo destes ou cidadania. É uma comunidade dos céus. O Reino de Deus, ou dos Céus, já vigente no coração dos fiéis, é de que Paulo está falando. Aqui convergem o conceito de Reino dos Céus anunciado por João Batista e a Cidade Ideal de Platão; ambos reconhecem os defeitos dos seus domínios terrestres: o arrependimento de pecados nada é sem a adesão ao Evangelho – e a contemplação da cidade ideal fazendo reconhecer as deficiências dos experimentos cidadãos terrestres também não traz a solução moral:

“Aquelas cidades da qual somos fundadores, e que existe apenas idealmente; pois não acredito que exista tal país em alguma parte da terra. Mas nos céus, repliquei eu, há à nossa espera o seu modelo. E penso que aquele que assim desejar fazê-lo, poderá contemplá-lo, e, contemplando-o, poderá fixar-se ali” (Platão: República, 592).

É nesse sentido que Herodes ouvia João Batista falar do Reino dos Céus; e Pilatos, após ouvir Jesus afirmar que o Reino dele era dos Céus, afirma não ter encontrado em Jesus culpa alguma. Judeus e greco-romanos sabiam do Reino dos Céus, e ambos estavam errados em como alcança-lo: um pelo legalismo, outro pela virtude moral. Só pela obra redentora de Cristo, que é o Evangelho, o Reino dos Céus é alcançado. Foi esse o ensino de Paulo aos crentes cheios de mentalidade cortesã estamentária romana que moravam em Filipos.

O ensino foi claro. Muitos deles realmente devem ter vivido como crentes. Sob Nero e Domiciano muitos realmente devem ter perdido seus privilégios de cidadania por fidelidade ao Evangelho. Diz-se que nas epístolas mais tardias contemporâneas à perseguição não há referência a comerciantes, funcionários públicos e militares entre os cristãos, mas apenas a marido, esposa e servos.

Sem dúvida, Policarpo (+ 155 d.C) em uma das suas cartas expressa profunda tristeza por um antigo presbítero da igreja de Filipos, chamado Valente, que com sua esposa foi expulso da igreja, pois praticou a idolatria para, inserindo-se na cidadania cortesã mediante adesão à idolatria e práticas romanas, ganhar uma licença numa das guildas de comércio (Policarpo aos Filipenses 11.14).

Num momento em que o Brasil se aproxima de um governo de expansão estatal lastreado por uma ideologia anti-cristã, nossos irmãos de Filipos têm muito a nos ensinar.


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Uma resposta para “A epístola de Paulo aos cristãos do estamento burocrático”.

  1. […] texto que escrevi intitulado “Carta de Paulo aos Cristãos do Estamento Burocrático“, aponto dois episódios em que, de forma prática, o apóstolo aplica os valores do Reino à […]

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