BLOG CASTRO MAGALHÃES

Editor: Carlos HB de Castro Magalhães (MTb 0044864/RJ)

Religião, Direito, Política, Cultura Pop e Sociedade

Editor: Carlos HB de Castro Magalhães, Registro Jornalista MTb 0044864/RJ

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Geralmente, a primeira referência do cristão sobre sua relação pessoal com os tributos é o verso que Nosso Senhor Jesus Cristo disse ao pagar tributo a Roma: “a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”, tendo Ele próprio provisionado o pagamento com a moeda que Pedro retirou da boca de um peixe, sob Sua instrução.

A orientação de Nosso Senhor é estabilizadora e afasta o cristão comum de aventuras que relacionem o Reino dos Céus a revoltas políticas ou insurgências contra a dominação político-militar. Há toda uma história bíblica da relação do fiel com os tributos. Jesus estabiliza essa relação e dá os parâmetros do Reino dos Céus. As epístolas do Novo Testamento fazem a aplicação prática do Evangelho à questão do trato dos tributos pelo cristão, e os dramas do Velho Testamento apontam para o apaziguamento e justiça ética que a obra de Cristo proporciona.Um caso central do Velho Testamento é o da revolta fiscal contra Roboão, filho e herdeiro de Salomão, que culminou com a secessão de Israel em dois reinos: o do Norte (Israel) e o do Sul (Judá). Uma coisa é certa quanto aos reis de Judá e a questão do tributo: há vinculação entre o sucesso real (obras, construções de palácios, fortalezas e poder militar – financiados por tributos) e a integridade do culto. Assim é que, por exemplo, o sucesso do Rei Uzias permanece até que ele resolve encampar os ofícios sacerdotais; Acaz despreza completamente o culto, comprometendo o tesouro do Templo para conseguir apoio militar estrangeiro, além de sofrer perdas territoriais; de Roboão é dito que o reino dele foi bem enquanto os levitas mantiveram a integridade do culto (2ª Crônicas 11.17), dando a entender que quando se corromperam os sacerdotes, as coisas degringolaram. Porém, o drama de Roboão começa antes, com questões tributárias.

O sistema tributário no reino de Judá era baseado em trabalho estatutário. A moeda do rei era paga às famílias de onde eram recrutadas as pessoas para o trabalho real. A regra era a seguinte: todas as famílias designavam membros para o trabalho real, com tempos em serviço real e um tempo maior em casa. Isto significa que as famílias, também unidades produtivas, tinham que dispor de sua mão de obra para o serviço real (1 Reis 5.28). Era algo parecido com a corvéia dos tempos feudais. Porém, esse trabalho não era de escravidão, pois era remunerado, com Jeremias profetizando contra o rei Joaquim (Jeremias 22.13-14) por não remunerar os trabalhadores que lhe construíram palácios. Logo, o tributo consistia em trabalho e devolução de parte do pagamento do mesmo, pelas famílias.

Essas regras, com certeza, eram manipuladas pela corte, refletindo a corrupção do culto que, degenerado, perdia o seu impacto ético e moral. Assim é que têm-se indícios de privilégio do pessoal de Judá, em certos períodos, quanto ao trabalho estatutário, com esta tribo excluída, por exemplo, da lista de distritos tributados por Salomão (1 Reis 4.7-19), o que se coaduna com o relato crítico quanto aos jovens conselheiros de Roboão “que cresceram com ele” na Corte (em Judá) (1 Reis 12.8) e que o aconselharam a pesar a mão em tributos contra o restante de Israel (verso 10). O conselho dos amigos do rei reflete alienação quanto ao peso do trabalho estatutário, bem como manutenção de privilégios judaítas. Roboão segue seus amigos, e Jeroboão, o antigo recrutador chefe do trabalho estatutário das tribos (excluídas Judá e Benjamin) do Reino de Israel dos tempos de Salomão (1 Reis 11.28), organiza e faz a secessão, que nunca mais foi desfeita, com a ruptura fazendo surgir dois reinos: o do sul, Judá; o do norte, Israel.

As lições das crises monárquicas em Judá e Israel são as mesmas do livro de Juízes, onde havia uma república em forma confederativa de tribos: por melhor que sejam as vantagens de um ou outro sistema político, se o culto (público ou individual) não for íntegro, não haverá estabilidade concreta. Os fracassos políticos de Juízes, com suas figuras bizarras como Sansão, Jefté, Débora, Héber (o aparentado de Moisés que fazia comércio com os inimigos de Israel), ou da monarquia, com tipos estranhos como Saul, Acaz, ou o narcisista Ezequias, todos eles apontam para a insuficiência dos sistemas humanos e para o fato de que somente a prevalência do Reino dos Céus no coração humano pode tornar uma sociedade um pouco melhor.

Alexis de Tocqueville, em seu clássico “A Democracia na América”, atribui o sucesso daquela democracia à prática religiosa do povo. O sermão de fundação da América “Uma cidade edificada sobre um monte”, quando do desembarque dos puritanos fugitivos da perseguição religiosa na Inglaterra, destaca que eles fundariam uma cidade (no sentido de unidade política) que iluminaria o mundo com o direito à livre pregação – no fim, o direito à livre consciência e expressão de pensamento. Esse sermão influencia o mundo até hoje, como vemos na defesa da livre expressão que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e o empresário Elon Musk fazem. Para além disso, parece que eles estabeleceram um sistema de boa fé que só pôde permanecer, estabelecer-se e reproduzir-se para as gerações seguintes a partir de um comprometimento espiritual dos cidadãos daquele país. Como puritanos, eram valores do Reino dos Céus.

Enfim, o culto pessoal de origem é que azeitava a sociedade para que as regras e contratos andassem bem.
Isso incluía o reconhecimento de divisão de instâncias: uma espiritual, de consciência, de acertos com a Divindade sobre os próprios atos, palavras e pensamentos; e outra pública, de relacionamento com os outros e o Estado. O foro de consciência era informado pelos valores do Reino e se sobrepunha – na direção ética – ao público, submetendo os atos dos governantes ao escrutínio dos cidadãos, ao menos eticamente.

No texto que escrevi intitulado “Carta de Paulo aos Cristãos do Estamento Burocrático“, aponto dois episódios em que, de forma prática, o apóstolo aplica os valores do Reino à questão dos privilégios estatais e contratuais. A primeira, tema da própria epístola aos Filipenses, trata de como os crentes daquela cidade – especificamente aos militares e burocratas romanos aposentados com privilégios e isenção tributária – deveriam se relacionar amorosa, humilde e fraternalmente com os demais, sem trazer para a comunhão as diferenças políticas, econômicas e sociais. Quando ele o faz, ele aponta para uma cidadania dos céus, usando os mesmos termos da cidadania romana. Ele reconhece como válido o ordenamento, mas aponta um sistema de valores – o do Reino – que o supera.

O outro episódio está na epístola de Paulo a Filemon, um cristão proprietário de um escravo fugido (Onésimo) que, converso, é pastoreado por Paulo. Na carta, Paulo reconhece os direitos de Filemon sobre Onésimo, mas insta a este para que receba Onésimo não como escravo, mas como irmão em Cristo, além de sub-rogar-se ele, Paulo, nos prejuízos que Onésimo por ventura tenha causado a Filemon.

Assim, Roboão e sua revolta fiscal apontam para os limites de consciência que são resolvidos com os valores do Reino. A tributação para manutenção de privilégios, infligindo peso às famílias, dificultando o sustento delas, sem dúvida, são denunciadas na história como desconectadas de um culto íntegro a Deus, logo, como denunciáveis pela consciência do fiel. Aplicando à experiência recente dos brasileiros, não é possível aceitar a tributação de empreendedores de micro negócios, e o monitoramento deles, a exigir gastos de tempo com organização burocrática, como recentemente estabelecido em instrução normativa. É claro que há uma regra de consciência eticamente superior que exime a consciência do fiel brasileiro da culpa de pecado de sonegação nesses casos, assim como Jeroboão foi isentado de culpa pela secessão como forma de revolta fiscal contra o tolo Roboão (1 Reis 11.37-38).


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