
Um dos primeiros episódios de antissemitismo está registrado no livro do Êxodo. O Faraó decide eliminar as crianças hebreias para deter o crescimento demográfico desse povo. O episódio é conhecido, pois, em seu contexto, relata-se o nascimento de Moisés, o libertador dos hebreus.
Uma análise exegética do texto revela detalhes úteis para a compreensão das bases bíblicas de interação ético-cultural, principalmente sob opressão.
Antes de mais nada, é necessário lembrar que o povo de Deus é um só: Israel, a Igreja do Antigo Testamento, que se torna a Igreja, o Israel do Novo Testamento. As lições vividas pelos nossos irmãos hebreus aplicam-se a nós como povo de Deus. Enxertados em Abraão, fazemos parte da grande vinha do Senhor.
Pois bem: Êxodo 1.15-22 relata esse momento de antissemitismo na história humana. O Faraó ordena às parteiras Sifrá e Puá, já integradas à cultura egípcia (como se vê por seus nomes), que exterminem os meninos hebreus (verso 16) ao nascerem. Esse relato é geralmente associado a um controle demográfico, mas a exegese, conjugada com outros textos, conduz a um conceito de extermínio cultural que precede o extermínio populacional.
O sentido de extermínio cultural está nas palavras encontradas na tradução literal da perícope em estudo. O texto diz, em tradução literal, no verso 16: “Ao ajudardes as hebreias a darem à luz, olhareis para as duas pedras. Se for um filho, o matareis. Mas, se for uma filha, ela viverá“. Tanto pelo contexto quanto pela figura de linguagem, “duas pedras” refere-se aos testículos do menino recém-nascido, que o identificavam como homem.
“Duas pedras” não são apenas distinções de gênero. Na verdade, elas remetem ao sentido semita a elas atribuído. Dois episódios em Gênesis explicam esse significado. O primeiro, em Gênesis 24.2, cita o pacto de lealdade de Eliezer, damasceno, para com seu patrão Abraão. O texto, de abordagem delicada em uma sociedade lasciva como a nossa e influenciada por conceitos greco-romanos abertos à significação erótica, é frequentemente traduzido como “coloca a mão embaixo da minha coxa”. André Chouraqui, em sua tradução comentada do Gênesis, refere-se à prática semita de então que, sem qualquer traço libidinoso, via nos testículos a sede do poder pessoal do homem, dando acesso a eles como prova de confiança em certos contratos essenciais.
O outro evento, relacionado ao episódio em estudo, refere-se àquele em que Jacó, já velho e à beira da morte, pede a seu filho José, príncipe do Egito, que não o enterre no Egito, mas junto a seus pais, na terra prometida a Abraão. Gênesis 47.29 relata que Jacó pediu a José que colocasse a “mão debaixo da coxa” dele, no mesmo sentido acima referido. Esse registro legal-cultural, firmado por um príncipe do Egito, remetia à origem do hebreu escravizado, sua identidade e seu destino, indicando que era reconhecida culturalmente a pretensão de libertação de Israel. Tornar as ‘duas pedras” um demérito marginalizador do homem hebreu desde seu nascimento era urgente para o Faraó opressor.
Paulo atribui o mesmo sentido masculino designado no texto em estudo quando diz em 1 Coríntios 16.13: ‘…portai-vos varonilmente…”, isto é, no original, “sede másculos”, no sentido de usar o poder pessoal (como Abraão e Jacó fizeram) para viver e morrer dentro do plano da redenção. Isso significa a fé corajosa, que certamente se aplica a homens e mulheres, mas é registrada, como poder em ação, a partir da natureza masculina por sua plenitude histórica na vida do povo de Deus e na natureza humana. O verso indica, entre outros aspectos, que não há como viver a fé cristã sem respeito às posições próprias da masculinidade.
A contribuição semita à nossa sociedade e ao cristianismo inclui o reconhecimento do homem com poder pessoal de defesa, provisão e libertação. Os semitas contribuíram para a formação do indivíduo com poder pessoal independente de reinos e Estados (Abraão, Isaque e Jacó são exemplos clássicos). É claro que, onde houver totalitarismo, haverá antissemitismo e guerra aos meninos que herdam valores semitas.

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