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Editor: Carlos HB de Castro Magalhães (MTb 0044864/RJ)

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Editor: Carlos HB de Castro Magalhães, Registro Jornalista MTb 0044864/RJ

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Uma doutrina esquecida, mas essencial, do cristianismo evangélico-protestante é a da vocação. A vocação é tratada por Calvino no volume 3 de suas Institutas da Religião Cristã (tradução latina), após sua exposição sobre a fé genuína – a fé regeneradora, dom de Deus que produz arrependimento no homem. Após apontar a incongruência das indulgências e da doutrina do purgatório com a satisfação plena da justiça de Deus pelo sacrifício de Cristo – plenitude perceptível pelo fiel apenas pela fé regeneradora que produz arrependimento –, Calvino passa a tratar da vida cristã, exortando que ela “não se reduz a mera profissão de lábios; ao contrário, implica uma experiência íntima e um viver piedoso [piedoso é viver com a percepção de que se está na presença de Deus – Nota do Autor], não especulativo, mas existencial” e que “a vida cristã não implica perfeição, inatingível na presente condição humana, mas requer um esforço diligente e contínuo para buscá-la, dia após dia, sem desfalecimento”.

O que ele chama de vida cristã é usualmente referido como santificação nas igrejas. Não é mera profissão de lábios nem especulação, mas uma experiência existencial, envolvendo esforço e diligência. Aqueles a quem Deus concedeu a fé salvífica foram regenerados, experimentam-na e vivem nela, dedicando esforço e diligência em sua prática. Nesse contexto, após afirmar que a vida cristã consiste em renúncia pessoal e meditação sobre a vida futura, Calvino aborda a vocação ao tratar “De como se deve fazer uso da presente vida e seus recursos”. Ou seja, o uso que fazemos da vida e de seus recursos está inserido na vida cristã, que, por sua vez, está fundamentada na Redenção e é consequência da regeneração. É nesse ponto que Calvino discorre sobre a vocação: “É preciso levar em conta que o Senhor ordena a cada um de nós, em todas as ações da vida, que atentemos para nossa vocação. Pois ele sabe com quão grande inquietude se inflama o engenho humano, com quão inconstante é a volubilidade com que cada um é levado para cá e para lá, quão ávida é sua ambição em abraçar diversas coisas ao mesmo tempo. Portanto, para que, por nossa estultícia e temeridade, não se misturem todas as coisas de cima a baixo, Deus ordenou a cada um seus deveres em gêneros distintos de vida. E, para que ninguém ultrapassasse temerariamente seus limites, denominou essas modalidades de viver como vocações. Assim, para que não sejam levados às cegas por todo curso da vida, a cada um foi atribuído pelo Senhor, como se fosse um posto de serviço, sua forma de viver.”

Vocação é o modo distinto de vida de cada um, como pai, mãe, filho, trabalhador, profissional, membro de uma igreja ou cidadão de um país. Segundo Calvino, ela decorre de uma ordenação divina. É um posto de serviço que não deve ser negligenciado. É nesse sentido – do modo peculiar de usar a presente vida e seus recursos em nossa experiência pessoal e existencial – que gostaria de comentar sobre três livros.

Como Gastar os Dias, de Richard Baxter

Este livro, escrito originalmente com o título Directions for each Member of the Family how to spend every ordinary day of the Week, em 1673, pelo pastor puritano britânico Richard Baxter (1615-1691), faz parte da coletânea A Christian Directory, que oferece orientações em várias áreas (não só de comportamento, mas também de consciência), aplicando a Bíblia.

A premissa calvinista de racionalidade – para a glória de Deus no uso da presente vida e seus recursos – está presente logo na abertura do texto: “De alguma forma, viver uma vida santa se torna mais fácil quando conhecemos o curso ordinário e o método de nossos deveres, de modo que cada coisa ocupe seu devido lugar, assim como é útil para o marido ou o homem de negócios saber o curso ordinário de seu trabalho, para que, salvo em casos extraordinários, não se desvie. Portanto, devemos aqui dar algumas breves diretivas para o gasto santo de cada dia.”

Baxter começa com orientações sobre o uso correto do tempo de sono, para evitar o desperdício de horas na preguiça matinal, recomendando que sejam dedicadas às orações. Ele prossegue dizendo que os primeiros pensamentos ao acordar devem ser de gratidão pelo tempo até o amanhecer (os puritanos acordavam de madrugada) e de súplica para o dia seguinte (“lance-se sobre Ele para o dia a seguir”). Sem dúvida, um antídoto contra a prostração e a ansiedade!

Baxter aborda questões cotidianas: evitar o orgulho e as modas da época, pois consomem tempo; contratar alguém para ler a Bíblia enquanto a pessoa se veste ou toma café (naquela época não havia Alexa ou Siri); praticar a oração pessoal antes de qualquer atividade, sem formalidades ou superstição; priorizar as tarefas a executar; e realizar o culto doméstico familiar.

Ao tratar do trabalho, Baxter afirma: “Não trabalhe em algo que não possa oferecer a Deus e dizer verdadeiramente que Ele lhe designou para fazer.” Essa é a doutrina da vocação em letras cristalinas. Não é uma designação supersticiosa ou mística (“Deus me revelou”), mas biblicamente fundamentada – alinhada com o entendimento das Escrituras de que toda habilidade é dada por Deus e deve ser usada em conformidade com Seu caráter. Esse critério de seleção de trabalhos, contratos ou intervenções certamente protege o fiel de apuros, evitando envolvimento em negócios escusos, até mesmo criminosos, ou prejudiciais a terceiros e à comunidade.

O trabalho ensinado por Baxter exige sacrifício físico e mental, além de autossacrifício em seu desempenho; ele também reflete sobre a autoconsciência das próprias corrupções e tentações; das meditações solitárias (que não devem ser especulativas e inférteis, mas práticas e frutíferas); do uso do zelo, da consistência e do aprimoramento do tempo em reuniões proveitosas no trabalho em grupo.

O livro é uma bênção ao nos ensinar a ter “uma alta estima do tempo” e a não desperdiçá-lo, evitando os “roubadores de tempo” como se foge de ladrões e salteadores. Para nós, brasileiros, que frequentemente chegamos atrasados a compromissos, essa parte do texto funciona como um esfregão de aço. Somos chamados ao esforço pela pontualidade, pois a leitura nos desmascara como ladrões do tempo alheio. Não podemos gastar bem nosso tempo se não respeitamos o tempo dos outros.

Além da Procrastinação, de Jonathan Edwards

Jonathan Edwards (1703-1758), o pastor puritano que foi prodígio em Yale (onde ingressou aos 13 anos) e diretor da instituição que se tornaria a Universidade de Princeton, proferiu o sermão que originou este livro, cuja transcrição foi preservada.

O texto é uma exposição do versículo 1 do capítulo 27 do livro de Provérbios: “Não te glories do dia de amanhã, porque não sabes o que trará à luz o dia.” As exortações são para que nos livremos do engano de acreditar que possuímos o dia de amanhã e para que nos comportemos no presente como se não dependêssemos de nenhum outro dia.

Edwards diz que o versículo proíbe duas coisas: “vangloriar-se do dia de amanhã ou comportar-se como se dependêssemos de coisas específicas que acontecerão neste mundo em um tempo futuro”; e “vangloriar-nos do tempo futuro em si, ou agir como se dependêssemos de que nossas vidas continuarão por mais um dia.” Para ele, quando procrastinamos, adiando tarefas para outro dia, estamos usurpando a Divindade como criadora e dona do tempo e do nosso destino.

Edwards vincula a procrastinação ao apego excessivo às alegrias desta vida, a ponto de não conseguirmos nos sentir bem sem elas e de grande parte de nossas faculdades e mentes ser empregada nessas coisas. Aqui, o pregador aborda a perda de foco, mas sob a perspectiva da redenção. Em tempos de redes sociais e estímulos dopamínicos, é um texto valioso.

Ele argumenta, de forma convincente e corajosa, que “não temos nenhum alicerce para presumir que veremos acontecer coisas específicas no dia seguinte, pelas quais esperamos ou desejamos, nem para esperar desfrutar de outro dia neste mundo”. Em resumo, é o provérbio popular “para morrer, basta estar vivo” aplicado à organização do dia presente, um reconhecimento direto de que Deus tem a vida de cada um em Sua mão. “Existem tantos modos e meios pelos quais a vida dos homens chega ao fim que nenhuma circunstância em que um homem possa estar é garantia de segurança contra a morte.”

Essas não são apenas especulações, mas meditações frutíferas: “Pergunte-se se você não se envolveria muito menos nos assuntos alheios e se ocuparia muito mais com seu próprio coração se soubesse que não tem outro dia além deste para depender. Se tivesse consciência de que não há outro dia, você perceberia que tem assuntos importantes para cuidar.”

Edwards alerta que essa presunção de domínio sobre o amanhã leva os homens a se envolverem excessivamente em planos e disputas partidárias: “Se dependessem apenas do presente a cada dia, não se envolveriam tanto em projetos e esquemas partidários como costumam fazer agora” (…) “geralmente há muito empenho dos partidários em elaborar esquemas de oposição uns aos outros” (…) “Isso muitas vezes os envolve em intrigas secretas, se não em brigas abertas. O fato de haver tanto envolvimento nessas coisas é uma evidência de que presumem o domínio do amanhã e afastam a morte.”

Jonathan Edwards destaca que a presunção do dia de amanhã inclui também a presunção do arrependimento futuro, permitindo a leniência com as faltas atuais. Ele adverte que “a vanglória do amanhã pode gerar a ilusão de uma oportunidade futura para se arrepender”, desprezando a soberania de Deus que, como ensina o apóstolo Paulo, pode abandonar quem quiser à própria cegueira e endurecimento de coração. Assim, a procrastinação pode se intensificar, a ponto de as providências mais sérias e inadiáveis serem abandonadas por esse falso senso de posse do futuro. É uma leitura impactante e esclarecedora!

Graças a Deus, o livro oferece remédios, não apenas exortações severas. Na seção final, intitulada “Como passar cada dia”, o autor ensina que, para viver cada dia, o cristão deve estar apto para viver e para morrer. Ele deve estar “em um estado de prontidão para todas as mudanças, especialmente para sua última mudança”. Em tempos de disrupção e insegurança jurídica, essa é uma orientação valiosa e eficaz, um recurso espiritual que Deus disponibiliza para enfrentarmos os desafios atuais. Essa postura, segundo Edwards, permite ao fiel possuir sua alma “em uma paz serena e inabalável”, pronto para “enfrentar as mudanças mais assustadoras e os inimigos mais formidáveis” e, finalmente, para “triunfar sobre a morte”. É a promessa de Isaías 32:17: “A obra da justiça será paz, e o efeito da justiça, repouso e segurança para sempre”. A justiça aqui é a justiça do sacrifício de Cristo.

O livro fornece uma base espiritual para compreender a procrastinação. Compreensões equivocadas da realidade (como a presunção de possuir o amanhã) condicionam nossas sinapses por caminhos errados. Saber que somos vocacionados por um Deus que é o único presente no amanhã nos dá o senso correto de como viver cada dia.

Ao final, o livro traz o esboço do sermão que o originou, além de uma linha do tempo da vida de Jonathan Edwards.

Faça mais e melhor – um guia prático para a produtividade, de Tim Challies

Tim Challies, pastor canadense de 47 anos, lidera a Grace Fellowship Church, é cofundador da editora Cruciform Press e mantenedor do blog challies.com, com mais de 30 mil acessos diários. Como pastor calvinista – cujos cinco pontos da doutrina estão descritos no site de sua igreja –, ele escreveu vários livros.

O livro em questão, lançado no Brasil pela Editora Fiel, pode parecer, à primeira vista, mais um guia para pessoas obcecadas por produtividade, um desejo comum entre empreendedores e profissionais do mundo corporativo. Contudo, ao lê-lo, percebe-se que ele segue a tradição iniciada por Calvino e exemplificada por Baxter e Edwards: a vocação como o uso que o cristão faz da presente vida e de seus recursos, especialmente tempo e habilidades.

Challies começa convidando o leitor a fundamentar sua produtividade na obra da Redenção. Ele afirma que “produtividade não é o que dará propósito à sua vida, mas o que permitirá que você se sobressaia ao viver seu propósito atual”. De início, propõe o que chama de Catecismo da Produtividade, em formato de perguntas e respostas, composto por seis questões que, juntas, concluem que o cristão é produtivo para glorificar a Deus.

No capítulo 2, “Responda ao chamado”, Challies aborda a vocação, tratando dos ladrões da produtividade. Ele não hesita em vincular a preguiça e o excesso de ocupação a defeitos de caráter, que requerem tratamento também teológico e devocional. Para ele, os ladrões da produtividade são “um problema que o impede de realizar a obra para a qual foi chamado no curto tempo que Deus lhe dá aqui na terra, o que significa que a falta de produtividade, ou sua lamentável diminuição, é um problema teológico”. Essa afirmação ecoa Baxter e Edwards, resgatando um conceito cristão muitas vezes esquecido. A produtividade, como uso da vida e de seus recursos, é praticada pelo fiel como parte de sua experiência e existência cristã.

Para Tim Challies, vocação implica responsabilidades, e o cristão deve conhecê-las e defini-las em sua vida. Ele deve identificar suas áreas de responsabilidade, examiná-las atentamente, determinar as obrigações que delas decorrem e, a partir disso, estabelecer as tarefas para cumpri-las.

Após orientar como o crente deve declarar sua missão em cada área de responsabilidade, Challies aborda as ferramentas essenciais para uma produtividade eficaz: gestão de tarefas, agendamento e organização de informações. Ele explica e esclarece a interação entre essas ferramentas na construção de um sistema pessoal de produtividade.

Um trecho significativo do texto aparece ao discutir a verificação da agenda diária, logo pela manhã. Challies descreve esse momento como seu Coram Deo (em latim, “na presença de Deus”). É a devocional da rotina, em que o fiel planeja seu dia com a consciência de estar na presença de Deus. Isso remete ao que Baxter destacou em seu livro. Essa prática é vocação, é santificação da vida pelo trabalho e uso do tempo, trazendo implicações éticas e de comprometimento.

O livro também oferece orientações práticas, como “domar o e-mail”, ensinando seu uso eficiente, e apresenta vinte dicas para aumentar a produtividade, revelando que a espiritualidade cristã se manifesta nas coisas concretas do dia a dia.

Conclusão

Esses três livros me trouxeram correções, algumas dolorosas. Vivemos em uma era de culto à produtividade pela produtividade ou de uma produtividade narcisista. Por outro lado, a Igreja evangélica enfrenta ataques de teologias de autoajuda e de prosperidade centradas no indivíduo, que muitas vezes se tornam o fundamento da produtividade do cristão contemporâneo. O mais impactante é que os três livros expõem a negação prática do domínio de Deus sobre nossas vidas e o mundo, de modo que, em nosso dia a dia, desperdiçamos o tempo que Ele nos dá e usurpamos o futuro, onde só Ele está. Por vezes, isso é doloroso, e Deus nos confronta para que reconheçamos que Ele é o Senhor da agenda que usamos para cumprir Sua vocação.


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