O interesse por este tema, embora refletido há tempos, consolidou-se quando eu escrevia um texto sobre vocação. Ao ler o trecho das Institutas de Calvino sobre o tema, deparei-me com a referência de Calvino à inexistência de uma “vocação de qualquer um” para derrubar um tirano. Ele ilustrava essa ideia, se não me engano, com a passagem em que Davi poupa Saul, o tirano louco, dentro da caverna.
Eu já conhecia, de forma superficial, o conceito de magistrados populares derivado dos escritos de Calvino, tanto em Genebra quanto nos Países Baixos, e sua decisiva influência no constitucionalismo dos huguenotes. Na teoria do Estado calvinista, os magistrados inferiores ou populares, embora não sejam reis, príncipes ou monarcas, são estabelecidos por eleição para garantir que os monarcas cumpram seus deveres de forma satisfatória. Esses magistrados derivam do consentimento geral, livremente expresso, de todos os cidadãos, pois uma república, como afirmavam os huguenotes, é fruto da vontade eficiente destes.
Guilherme de Orange foi um exemplo de magistrado popular, um príncipe eleito pelo Parlamento britânico para conter as investidas de seu sogro, Jaime II, contra a liberdade religiosa do povo inglês. Esses magistrados populares são chamados a defender a república da opressão caso o governante desrespeite as condições do contrato, conforme aponta Armando Silvestre em sua obra Calvino e a Resistência ao Estado.
Tais magistrados podem ser suscitados internamente, dentro das hierarquias do Estado, ou externamente, quando a desordem causada pelo governo supera a injustiça de uma revolução ou resistência (Institutas, volume IV, seção 31). O apoio popular a Elon Musk no Brasil legitima-se nesse contexto.
O Brasil vive uma tirania com a prisão de civis desde 8 de janeiro de 2023, cerceamento da liberdade de pensamento e expressão, além da prisão de opositores do regime. Houve uma grande impiedade ao reconduzir um criminoso à Presidência da República em uma eleição considerada, tanto pelo cidadão comum quanto por especialistas, desequilibrada e tendenciosa.
A indignação e o ódio à injustiça podem levar muitos a buscar soluções fora da vocação que possuem para enfrentar esse problema. Na verdade, os tiranos frequentemente tomam medidas para provocar essas reações, a fim de rotular o povo injustiçado como criminoso. É possível que até inventem incidentes com esse objetivo, como já fizeram. Contudo, há pessoas vocacionadas, diferentes de nós, para lutar contra a tirania, e nosso papel é orar por elas e encorajá-las.
Os parlamentares, como magistrados inferiores, estão trabalhando em mudanças constitucionais que explicitam a tirania, buscando esvaziar a malícia dos tiranos que usam sofismas para justificar seus atos de impiedade. Uma vez que essas tiranias sejam explicitadas e não revertidas, devemos orar para que esses parlamentares exerçam com justiça o ius gladii com que Deus revestiu sua atividade legislativa.
Outros vocacionados para combater a tirania, no contexto brasileiro, são os advogados. O artigo 133 da Constituição da República estabelece que eles são indispensáveis à administração da justiça. Nesse serviço privado, por meio de orientação geral, aconselhamento e uso de medidas administrativas e judiciais, os advogados – eleitos por seus clientes, a quem a República confere esse direito – também podem resistir à tirania.


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