Sophie é uma irmã em Cristo que gerencia o perfil @refsojourner no X (antigo Twitter). Ela se apresenta como vinculada à Fellowship of Confessional Churches (FCC), uma rede de igrejas presbiterianas reformadas confessionais que aderem à Confissão de Fé de Westminster e promovem a teologia calvinista, o governo presbiteriano e o princípio regulador do culto. Focada em fortalecer igrejas vibrantes, maduras na doutrina e fervorosas na missão, Sophie utiliza o perfil para compartilhar recursos teológicos e conectar crentes, especialmente em contextos onde o presbiterianismo confessional é raro, como na França, onde parece atuar como uma missão internacional. O termo “sojourner“, presente no nome do perfil, reflete a visão cristã de viver como peregrinos para a glória de Deus.
Sophie compartilhou em seu perfil um post no qual afirma que um trecho de Peter Pan, de autoria do também presbiteriano J.M. Barrie, representa “a oração de uma mãe”. O trecho é o seguinte:
A Sra. Darling ouviu falar de Peter pela primeira vez quando estava organizando as mentes dos filhos. É costume noturno de toda boa mãe, após os filhos adormecerem, vasculhar suas mentes e organizar tudo para a manhã seguinte, recolocando em seus devidos lugares os muitos objetos que se espalharam durante o dia. (…) É como arrumar gavetas. Você a imaginaria de joelhos, suponho, examinando com humor algumas das coisas dos filhos, perguntando-se onde teriam encontrado aquilo, descobrindo coisas doces e outras nem tanto, pressionando-as contra a bochecha como se fossem tão adoráveis quanto um gatinho, e guardando apressadamente o que não deseja ver. Quando você acorda pela manhã, as travessuras e paixões malignas com as quais adormeceu foram dobradas e colocadas no fundo da sua mente; e, no topo, bem arejados, estão dispostos seus pensamentos mais bonitos, prontos para você vestir.
James Matthew Barrie, mais conhecido como J.M. Barrie, foi um escritor e dramaturgo escocês, nascido em 9 de maio de 1860, em Kirriemuir, Escócia, e falecido em 19 de junho de 1937, em Londres, Inglaterra. Autor de Peter Pan, Barrie foi batizado e viveu como presbiteriano na Igreja da Escócia, que desempenhava um papel significativo na vida cultural e social do país na época. Embora contemporâneo de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien, pertencia a uma geração anterior, com sua carreira literária florescendo no início do século XX, antes do auge de Lewis e Tolkien, nas décadas de 1930 a 1950. Não há evidências de que se conhecessem ou influenciassem diretamente. Suas obras refletem contextos e estilos distintos: Barrie, com sua fantasia infantil e sentimental, e Lewis e Tolkien, com narrativas mitológicas e teológicas mais complexas. Barrie reflete a era vitoriana (1837-1901), um período em que a infância começou a ser idealizada como um conceito abstrato, distinto da vida adulta, de maneira mais pronunciada do que em épocas anteriores. Esse processo envolveu mudanças culturais, sociais e literárias que transformaram a percepção da infância, especialmente na Inglaterra. C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien, por sua vez, buscaram impregnar essa nova realidade cultural – a da infância distinta da idade adulta – com valores cristãos.
Peter Pan, para muitos, deriva de uma experiência de luto mal resolvido de Barrie. Aos seis anos, ele perdeu um irmão, e, condoído pela devastação de sua mãe, tentou substituir o irmão para aliviar sua dor. Esse evento o marcou, aprisionando-o, de certo modo, à infância e dificultando seu amadurecimento, sendo descrito, na vida adulta, como um homem infantilizado. Após seu divórcio, Barrie foi amparado por um casal amigo e se relacionava como um “irmão mais novo” com os filhos deles, o que gerou suspeitas de comportamento inapropriado, sempre negadas por essas crianças, já adultas, em relatos posteriores.
Como cristão, Barrie, influenciado pelo espírito da época e por sua experiência pessoal, aborda a infância como uma condição universal da vida humana. Mesmo assim, em sua obra, talvez inevitavelmente – por sua formação e confissão de fé -, ele reflete a estrutura da oração como meio de graça. Nesse ponto, Sophie demonstrou sensibilidade ao perceber essa conexão. Para um presbiteriano aliancista, a maternidade é uma missão de cuidado espiritual com os filhos. O “vasculhar a mente” dos filhos, descrito no trecho da Sra. Darling, não é nada menos que a meditação que precede a oração. Ao refletir sobre o dia dos filhos – seus atos, palavras e expressões -, a mãe ora, guardando “as travessuras e paixões malignas com as quais a criança adormeceu, dobradas e colocadas no fundo da sua mente“. Orando em silêncio, em voz alta com a criança dormindo, ou junto a ela antes de dormir, essa oração reflete o cuidado com as afeições das crianças e sua formação afetiva. Insere, também, a criança – com suas afeiçoes, pensamentos e atos – num contexto maior, metafísico, do mundo de Deus – isto é, da realidade da vida.
O trecho realmente transmite o sentido de uma oração, perceptível apenas às almas mais sensíveis. Assim, em duas adaptações cinematográficas de Peter Pan, a cena é acompanhada pela canção Tender Shepherd. Presente no musical de 1954 e na animação da Disney de 1953, Tender Shepherd é uma adição às adaptações da obra de Barrie, cantada pela Sra. Darling enquanto prepara os filhos para dormir. Composta por Mark Charlap com letra de Carolyn Leigh, a canção destaca o cuidado maternal da Sra. Darling, reforçando seu papel como protetora. Embora ausente na peça original de 1904 ou no romance Peter and Wendy de 1911, ela amplifica o tema da devoção materna, presente na contemplação silenciosa da Sra. Darling no texto original.
A letra de Tender Shepherd evoca um forte senso cristão, com referências ao “pastor gentil” (uma alusão ao Bom Pastor cristão) e à instrução para as crianças “fazerem suas orações”. A metáfora do pastor cuidando das ovelhas (os filhos – membros não comungantes da Aliança) sugere proteção divina, enquanto a menção explícita à oração conecta a canção à prática puritana (e presbiteriana) de orações noturnas, refletindo a ideia de uma mãe orando pela segurança espiritual e física dos filhos. A contagem de ovelhas reforça essa imagem de vigilância, tanto maternal quanto divina.
Nas adaptações, Tender Shepherd tornou-se um momento icônico, especialmente no musical de 1954/1960, onde é cantada com harmonias que destacam o vínculo familiar. Na animação da Disney, a canção é mais curta, mas mantém o tom espiritual. Essa adição transforma a devoção implícita da Sra. Darling em uma oração explícita, sendo o exemplo mais claro de uma mãe orando pelos filhos em qualquer adaptação de Peter Pan, alinhando-se à sensibilidade cristã protestante e ao tema universal de proteção maternal.
A devoção em Peter Pan reflete o cuidado e a vigilância dos pais sobre seus filhos. Ao se tornarem adultos, cabe aos próprios filhos organizar, dobrar e guardar a “bagunça” de suas mentes e afeições, deixando para trás as coisas da infância, sem depender constantemente de pais ou mães (ou lideranças religiosas substitutas) para fazê-lo. Contudo, uma devoção imatura, marcada pela dependência contínua da oração e da instrução alheia – a devocional de um Peter Pan – pode levar crentes a se depararem com um “Capitão Gancho” – alguém que, embora nomeado pastor ou pastora, age como um tipo de xamã.


Deixe um comentário