Por [Carlos Magalhães], do Blog Castro Magalhães
Publicado em 15 de agosto de 2025, 17:09 -03
A modernização do Judiciário por meio de tecnologias como inteligência artificial (IA) e blockchain tem sido um tema global, mas o modelo chinês de “smart courts”, detalhado no artigo “China’s Grand Design of People’s Smart Courts” de George G. Zheng, que pode ser baixado ao final deste, levanta sérias preocupações éticas e institucionais. Recentemente, a reportagem da Gazeta do Povo, “STF se recusa a divulgar termos de acordo com Suprema Corte da China”, publicada em agosto de 2025, trouxe à tona a parceria entre o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil e a Suprema Corte da China, reacendendo o debate sobre os riscos de adotar elementos desse sistema no contexto brasileiro. Vamos analisar as críticas ao modelo chinês e seus reflexos para o Brasil, contextualizados por essa cooperação opaca.
Críticas ao Modelo de Smart Courts na China
O artigo de Zheng descreve como a China implementou as smart courts como parte de uma estratégia estatal para informatizar o Judiciário, utilizando IA, big data e blockchain. Embora isso traga eficiência — como a gestão de 43 milhões de processos, segundo o vice-presidente chinês He Xiaorong —, a tecnologia também reforça o controle hierárquico do Partido Comunista. Algoritmos podem ser manipulados para alinhar decisões a interesses políticos, comprometendo a imparcialidade. Além disso, a promiscuidade entre tribunais e grandes corporações privadas, como iFlytek e Alibaba, cria um modelo onde empresas lucram com contratos estatais, mas influenciam o Judiciário, muitas vezes sem supervisão independente.
Essa relação público-privada, impulsionada por uma “cooperação não contratual”, difere dos sistemas ocidentais baseados em mercado. Zheng alerta que o impacto da tecnologia depende do design humano, e na China, esse design reflete prioridades estatais, não democráticas, o que pode minar os direitos fundamentais.
Reflexos para o Brasil e a Parceria com o STF
A reportagem da Gazeta do Povo revela que o STF assinou acordos com a Suprema Corte da China, incluindo encontros em 2024 e 2025, focados no uso de IA para otimizar processos. No entanto, o tribunal se recusa a divulgar os termos, citando questões de segurança nacional e relações diplomáticas. Essa opacidade, somada à visita de Luís Roberto Barroso à China em 2024 e à declaração elogiosa de Gilmar Mendes ao regime chinês, levanta suspeitas sobre até que ponto o Brasil poderia estar considerando o modelo chinês.
No Brasil, a modernização judicial, como o Processo Judicial Eletrônico (PJe) e iniciativas de IA no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), busca eficiência, mas opera em um sistema democrático com separação de poderes. A experiência chinesa, onde a tecnologia reforça o controle estatal, serve como alerta. A manipulação de algoritmos poderia comprometer a independência judicial brasileira, enquanto a dependência de empresas privadas — como ocorre na China com iFlytek — poderia expor dados sensíveis ou influenciar decisões, erodindo a confiança pública.
Riscos e Lições
A Gazeta do Povo destaca que, apesar do foco em IA para acelerar processos, a falta de transparência no acordo com a China gera dúvidas. Se o STF adotar elementos das smart courts sem regulação rigorosa, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Brasil pode enfrentar os mesmos riscos de centralização e influência corporativa vistos na China. A ênfase de He Xiaorong e Edson Fachin em supervisão ética humana é positiva, mas insuficiente sem detalhes públicos.
Há quem fale que a campanha por uma linguagem clara no Judiciário, mais do que facilitar a comunicação, teria por objetivo facilitar o trabalho de algoritmos e aumentar o controle social através da diminuição da capacidade de compreensão da realidade por um jurisdicionado de vocabulário limitado.
A lição é clara: a tecnologia deve ser aliada à transparência e à autonomia judicial. Diferentemente da China, o Brasil deve priorizar auditorias independentes e legislações que evitem a promiscuidade entre Judiciário e empresas, garantindo que a modernização sirva aos cidadãos, não a agendas políticas ou comerciais.
Conclusão
O modelo de smart courts da China oferece inovações, mas seus riscos — manipulação algorítmica e influência corporativa — são evidentes. A parceria do STF com a China, obscurecida por segredos, exige vigilância. Para o Brasil, a modernização tecnológica é um caminho inevitável, mas deve ser trilhado com cautela, preservando os pilares democráticos do Judiciário.


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