O que fazer quando o cristão se sente politicamente impotente? Este devocional mostra que a história da Igreja é cíclica: liberdade e opressão se alternam. Paulo já anunciava o “homem da iniquidade”, Nero veio depois; Boécio, grande líder cristão, acabou preso e torturado, mas escreveu “A Consolação da Filosofia” e marcou o início da Idade Média. A lição: o verdadeiro poder político do cristão não é eleição, mas cultivar a glória de Cristo no seu círculo de influência e ouvir a Sabedoria mesmo na prisão.
Tempo estimado de leitura: 3,5 minutos
São muitas as injustiças que se cometem nesta pátria, muitos demônios nos três poderes da União, nas forças armadas, na imprensa e na academia — as esferas nacionais que nos traíram.
É muito revoltante e causa profunda indignação, mas, se olharmos bem, veremos que se trata de uma experiência universal dos cristãos, que vivem num pêndulo entre a liberdade e a opressão. Em 2 Tessalonicenses, Paulo fala do “homem da iniquidade” que estava prestes a se revelar. Naquele momento, as leis de licitude da religião eram favoráveis aos cristãos, sob o governo de Cláudio César, que seria sucedido por Nero. Paulo faz um jogo de palavras, usando o termo grego correspondente ao latim claudere (“deter”, “impedir”), para cifrar o indicativo histórico da tendência persecutória que se aproximava (2Ts 2.6). Nero assume o poder, mas, após livrar-se de seus tutores, estabelece uma violenta perseguição aos cristãos.
É impressionante quando lemos as epístolas mais antigas, especialmente as paulinas, e percebemos referências a uma diversidade de cristãos: gente de povos diferentes, comerciantes, militares, políticos, escravos — todos convertidos. Já nas epístolas um pouco mais tardias, próximas do tempo de Domiciano e contemporâneas a ele, os conselhos apostólicos são dirigidos principalmente a casais e escravos. Aquela perseguição tornava praticamente impossível ao cristão servir como militar, praticar comércio abertamente ou ocupar cargos políticos e de cidadania.
Está na essência da fé cristã atravessar os ciclos de ditadura e, mesmo assim, ocupar posições culturais que as transformem. Boécio foi um intelectual e líder político que viveu entre o final do século V e o início do século VI d.C. Homem cristão de grande envergadura, fez de seus filhos cônsules do Senado na direção do Império. Traduziu numerosos textos clássicos para o latim — alguns escritos de Aristóteles só chegaram até nós graças a ele. Realizou obras públicas e conseguiu reconciliar o Império com os povos ostrogodos que agora o ocupavam, basicamente pela força da mensagem evangélica. Contudo, num golpe de Estado, foi deposto por seus inimigos (pagãos nominalmente cristãos, que usavam o cristianismo por vantagem política), preso e torturado. Na prisão, teve uma visão em que a Sabedoria (personificada em Provérbios 8) lhe apareceu. O diálogo com a Sabedoria deu origem à obra A Consolação da Filosofia, na qual a mensagem evangélica dobra e conquista o paganismo greco-romano, inaugurando a Idade Média ao instituir um novo marco cultural para a humanidade.
O diabo quer nos seduzir dizendo que poder político se resume a eleição. Não, meus irmãos, não é. A devocional do cristão politicamente impotente consiste em cultivar a glória de Cristo no seu perímetro de ação, onde quer que possa exercer influência. A prisão e tortura de um líder político que fez de seus próprios filhos também líderes políticos nos mostra isso: o que nos falta é apenas ouvir e registrar o que a Sabedoria nos fala nessas circunstâncias.


Deixe um comentário