Em 2 Timóteo capitulo 2 verso 2 a orientação do apóstolo Paulo é que se ore pelas autoridades para que se viva “vida tranquila e mansa“. O texto foi escrito por volta de 65 d.C. Essa foi uma década de profunda instabilidade política no Império Romano. Segundo Edward Gibbon em seu “Declínio e Queda do Império Romano”, sucederam-se nessa década, sucessivamente, em tramas de assassinato e golpes militares, Nero, Galba, Oto, Vitélio e Vespasiano, que trouxe de volta a estabilidade para o Império. Ele foi sucedido por seu filho Tito, a que se seguiu seu irmão Domiciano, que terminou morto a mando da própria esposa.
Após Domiciano seguiu-se Nerva, que percebeu que não conseguiria “refrear a torrente de desordens públicas que se haviam multiplicado sob a longa tirania de seu predecessor’ (citação de Gibbon), indicando e estabelecendo como seu sucessor a Trajano. Este, foi sucedido por Adriano, sob o qual o império floresceu.
É nesse contexto histórico que encontramos a recomendação de oração que inaugura esse texto. Em Romanos 13 e 1 Pedro 2 encontramos o dever de honrar as autoridades, pois elas estariam colocadas na ordem da existência por Deus (ordenação divina). Há aqui um senso de estabilidade – um conceito teológico da autoridade como estabilizada e estabilizadora por Deus – e uma recomendação devocional vinculada a esse conhecimento teológico: orar pelas autoridades, para que se possa viver em paz estável.
A instabilidade institucional brasileira infla paixões e gera discussões ruidosas nas ruas e nas redes sociais. Paixões e barulhos que dificultam ouvir a voz de Deus. Os devotos sabem do que estou falando: a gente vê o desequilíbrio das instituições – uma avançando sobre a outra -; vê como a Suprema Corte brasileira muda os entendimentos casuisticamente, gerando-nos uma insegurança que dificulta viver o dia a dia (um Tribunal que diz que um texto que diz “homem e mulher” não quis dizer “homem e mulher!). Tudo isso gera receio e revolta, repugnância que se tem contra alguém que nos trapaceia ou tentou nos trapacear. E, logicamente, as paixões e as discussões daí decorrentes atrapalham nossa vida devocional.
Creio que o texto de 1 Timóteo 2.1,2 trata disso. Os cristãos daquele tempo deviam viver sobressaltados com aquela instabilidade institucional – sem saber que tipo de governante viria, como ficariam as obrigações cívico-religiosas, as pensões dos legionários aposentados (muitos deles cristãos, conforme se depreende das epístolas aos crentes de Filipos), as autorizações para exercer o comércio (passíveis de serem vinculadas ao culto imperial) e uma série de coisas. Isso gerava uma perturbação interior em cada crente, prejudicando a devoção diária.
Quem frequenta as redes sociais e lê os jornais sabe disso. O casuísmo e uso político da Suprema Corte – não eleita, antes mais uma Função do que um Poder da República – para desestabilizar os atores antagônicos causam revolta e apreensão tão grande que é difícil ter um coração pacificado para ouvir a voz de Deus. Esses magistrados epicureus – que acham que a existência compõe-se de um monte de átomos em queda livre aleatória a serem organizados conforme a conveniência do momento – não têm nenhum compromisso com a ordenação da vida. O ex-ministro daquela Corte, Eros Grau, em recente live falou sobre essa tendência desestabilizadora daquele tribunal, tema que é referenciado em seu livro “Por que tenho medo dos juízes“.
Thomas Merton – monge urbano do século XX cuja família foi vítima das guerras contra o totalitarismo – falava da necessidade de isolar-se desse tipo de barulho, de ruído, de discussão que termina por inflamar a alma e afastá-la de Deus. É isso que esse casuísmo judicial pretende: nos afastar de Deus através da perturbação do nosso coração, seduzindo-o para apupos, revoltas, indignações e inseguranças. É um barulho, uma bateção de lata para não nos permitir orar, para usar nossas emoções como gancho para a crença na desordenação e no aleatório. Mas a Bíblia nos ensina a reagir a isso.
Dietrich Bonhoeffer – cuja história conhecemos – escreveu, talvez como fruto da experiência que viveu – no seu livro Introdução à Meditação, que quando não conseguimos focar o objeto da nossa meditação e oração devemos orar por aquilo que distrai-nos do foco. É por isso que Paulo, a Timóteo, faz a recomendação – em período de instabilidade institucional – que se ore pelas autoridades para que se tenha estabilidade institucional. Ele talvez percebesse esses empecilhos devocionais. Oremos nesse sentido. Oremos para que Deus resolva esse problema de desestabilização provocado por essas autoridades.

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